Novas Igrejas, Colonialismos Antigos

O papel das Igrejas como centros de submissão de povos, estabelecendo controle sobre o imaginário divino para facilitar então o domínio político e social.

Durante toda a História da Humanidade, vários sistemas de comunicação com o Divino foram estabelecidos. E de uma forma ou de outra, esses sistemas criavam sempre uma ordem que devia ser respeitada, sobre a ameaça de consequências catastróficas para os desviantes.

As religiões sempre estiveram ligadas ao poder. Foi com essa desculpa de evangelizar os povos de todos o mundo que as nações ocidentais invadiram continentes e colonizaram nações.

Para os países colonizados, essas feridas até hoje se fazem sentir.

A religião sempre foi utilizada para entrar na mente de uma pessoa, pois para escravizá-la ou colonizá-la é preciso primeiro que ela o permita. E isso é conseguido através do ensino de um sentido de inferioridade.

Seria necessário, para durante séculos dominar um povo inteiro, eliminar qualquer fé que esse povo teria nele próprio e nos seus Deuses. Os Deuses que os protegiam nas grandes batalhas, que os alertavam para os perigos do Futuro; os Deuses para quem esses povos eram importantes e especiais foram então eliminados.

Através da demonização das religiões de matriz africana e da perseguição dos seus praticantes, bem como o baptizado forçado de africanos escravizados ou de qualquer africano que quisesse ter mais oportunidades, aos poucos os povos colonizados esqueceram-se dos seus Deuses.

Passaram adorar um Deus branco. Anjos loiros e de olhos azuis. Profetas de cabelo liso e longo. Foi assim que os colonizadores romperam por completo a ligação que os povos africanos tinham com o Divino e conseguiram, por muito tempo, saquear as suas terras e riquezas.

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Missionários no Séc. XIV convertendo crianças para o Cristianismo.

Mais recentemente, com a febre das igrejas neopentecostais, uma nova Cruzada começou a ser feita.

Hoje em dia os soldados de Cristo já não andam a cavalo nem chegam de navio. Aparecem com os mais recentes modelos de automóveis e andam bem vestidos. Aparentam uma vida de sucesso, com uma família perfeita e um comportamento exemplar.

Segundo a doutrina neopentecostal, a prosperidade na vida de um crente é proporcional à sua entrega a Deus. Assim sendo, a marca da plenitude da fé é muita saúde e aptidão física, estabilidade emocional e prosperidade material.

Não é de admirar que estas Igrejas, a destacar a IURD, têm nos seus crentes pessoas capazes de entregar tudo o que conseguem com o suor do seu trabalho em troca de um pedaço de terra no Céu.

Em África, e mais precisamente em Moçambique, esta linha de pensamento não está muito longe das religiões tradicionais baseadas na ligação histórica aos antepassados. De acordo com a crença tradicional, doenças e azares resultam de maldições e pragas lançadas pelos antepassados insatisfeitos.

Em muitos países infestados por guerras; doenças; fomes e catástrofes naturais, a sociedade como um todo vê-se perdida. As pessoas são deslocadas e abandonam os seus locais sagrados; perdem-se das suas famílias e da sua história e nesses processos, desligam-se também das suas divindades, vivendo com pouca paz espiritual.

Os traumas, dramas e depressões dessas desgraças são presenças constantes no nosso quotidiano, criando um ambiente de desespero e incredulidade generalizados.

Quando cruzamos estes factores, torna-se evidente o sucesso das Igrejas Neopentecostais em Moçambique e em outros países cujas religiões de base se guiam por esse pensamento.

A tudo isso, acrescentam-se ainda as dificuldades económicas e financeiras da vida contemporânea: não tenho dinheiro para cobrir as minhas necessidades básicas; vivo numa casa precária; tenho um emprego que não me satisfaz; os meus filhos não têm o que vestir; etc. Essa crise material, quando se depara com a crise espiritual cria condições para o sucesso dessas Igrejas.

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Fonte: Facebook Igreja Universal do Reino de Deus

Vejamos que, por exemplo, nas religiões de matriz africana até os locais sagrados são simples e rudimentares, muitas vezes debaixo de árvores e no meio da natureza. Os líderes religiosos usam roupas feitas de materiais baratos e falam línguas ditas “primitivas”, comunicando-se com o Divino através de conchas, ossos ou mesmo a água.

Enquanto essas Igrejas têm templos grandes e robustos, onde se falam línguas célebres no microfone. Os líderes usam fatos e roupas bem vistosas. Andam de carro e vivem em verdadeiros palacetes. Até os seus rituais são mais compostos e sofisticados.

Então eu pobre; desesperada; doente; com fome; com sede; sem tecto; onde vou pedir riqueza?

Por muitos anos foi-nos negada a nossa forma de ver, sentir e falar com Deus. E nós crescemos sem uma imagem sagrada de nós mesmos, sem um sentido positivo das nossas religiões e completamente desligados das nossas raízes.

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Celebrações do Dia de VooDoo no Benin

Curiosamente, alguns países ocidentais estão a resgatar as suas ligações espirituais que ocorrem fora dos padrões da Igreja. Aquilo que chamavam de animismo começaram também a incluir nos seus cultos.

Mas nós negamos essa presença, apesar de nos usarmos de alguns rituais quando nos convém, pois continua no nosso inconsciente a sua veracidade.

A nossa História colectiva foi apagada e com ela a nossa Fé. Essa vulnerabilidade torna-nos superfícies altamente permeáveis, capazes de facilmente adoptar qualquer doutrina de pensamento sem questionar a sua validade para o nosso contexto.

No início chegaram os Árabes, passámos a chamar-nos Zeinab, Mohamed, Catija, como o Profeta e a sua família. Depois invadiram-nos os Portugueses e aos nossos filhos demos nomes como Francisco, Miguel, Maria, como se chamam os seus santos e agora vêm os Brasileiros, e já surgiram os Enzo, Caíque, Nicole… Quando é que os nossos filhos terão os nossos nomes? Nomes da nossa História? Dos heróis? Dos nossos antepassados?

 

11 thoughts on “Novas Igrejas, Colonialismos Antigos

    1. Muito obrigada. É preciso que falemos sobre isso também… Muitas vezes evitamos falar sobre religião porque é um assunto muito sensível, colaborando até para perpetuar essa cultura de sobrevalorização da Igreja. Agradeço muito que tenha lido e participado desse desabafo.

  1. Essas igrejas neopentecostais com sua teologia da prosperidade, estão conseguindo acabar com o povo culturalmente e financeiramente. Ótimo texto!

    1. Infelizmente tem sido assim mesmo. Mas mais do que isso, temos de perceber que isso é apenas possível porque vivemos num tempo de muita carência espiritual, emocional e financeira. É isso que potencializa esses fanatismos. E atenção que vemos esses mesmos fanatismos a nível político também!

  2. Finalmente encontro alguém que pensa como eu! Esses ditos “protestantes” abriram os olhos para o mercado africano(€), não difere muito do que os católicos fizeram há uns séculos atrás. Parece que Africa é terra de ninguém e de todos ao mesmo tempo, qualquer um chega e se impõe como se aquela terra não tivesse dono. Não sou ateu nem agnostico, mas parece que tambem não me “encaixo” em qualquer tipo de religião, simplesmente acredito na existencia de um ser/força/espírito superior, mas respeito as crenças de cada um, a fé para mim é uma coisa muito pessoal, ela também é fruto da nossas experiencias/vivencias, eu não posso julgar a fé de ninguém se eu não vivi as esperiencias que ela viveu, que a fazem acreditar em determinada coisa, por isso a minha fé é fruto daquilo que eu vivenciei. Até hoje me causa uma estranhesa enorme quando vejo um padre negro, vestido com aquela batina e aquele chapeu, a proferir todos aqueles dizeres que todos já ouvimos, faz-me muita confusão, para mim esse é o pináculo da colonização, que infelizmente ainda não acabou, só está mascarada.

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