O “Negro” e o “Africano” são criações da ocupação europeia.
Antes dos colonizadores europeus chegarem a África não havia negros. Os negros apareceram como categoria para se distinguir o branco europeu.
O continente Africano existia como uma pluralidade de culturas e nações e não um bloco homogéneo. Havia muita produção científica e economias robustas.
Também havia conflitos, forças que queriam alargar o seu poder, saqueios, perseguições e assassinatos.
Mas não havia negros.
Esses apareceram pela necessidade de criar um sistema de domínio económico, político e mais tarde social, de imposição de uma cultura em outra.
Para tal, o uso da violência foi imprescindível e a justificação para tal foi precisamente essa dicotomia: branco vs. negro; civilizado vs. selvagem.

E por isso, sentimos a necessidade de reforçar a nossa identidade, de fazer deste “não-espaço” um lugar confortável, seguro.
Nesse processo de auto-afirmação, acabamos por reforçar essas categorias que na verdade nunca nos pertenceram.
“Longe de ser espontânea, esta crença [na raça] foi cultivada, alimentada, reproduzida e disseminada através de um conjunto de dispositivos teológicos, culturais, políticos, económicos e institucionais, dos quais a história e a teoria crítica da raça acompanharam a evolução e as consequências ao longo dos séculos.” – Achille Mbembe
Até hoje deixamos esta crença na raça dominar a nossa cultura. Embora já não seja algo institucionalizado, como era por exemplo o colonialismo ou o apartheid, há resquícios disso no nosso dia-a-dia.
Para além da religião e das nossas colonialices de estimação, notamos até nas coisas mais pequenas.
Vamos ao mercado, e chamamos o inhame de “batata africana”. Enquanto a batata sul americana, que nos chegou através dos europeus e asiáticos é simplesmente “batata”.
A pessoa quando fala em Medicina Africana, diz “Medicina Tradicional”, mas trata a Medicina Ocidental/ Moderna somente por “Medicina”.
O mesmo certamente se aplica em mil e outros casos! Por defeito, tratamo-nos como se fôssemos os “outros”, pois enquanto o branco europeu olha para si apenas como uma pessoa, nós aprendemos a olhar para nós como africanos.
Não somos somente “chiques”, como “afrochiques”.
“Afro-empreendedores”
“Afro-fashion”
“Afro-cosmopolitas”
“Afro-descendentes”
“Afro-qualquer coisa”
Enfim… E por falar em “Afro”, por que o meu cabelo quando está solto é “Afro”? Existe cabelo “Euro”?
É como se o meu cabelo não pudesse ser simplesmente “cabelo”!

Na sua TED Talk, Edgar Cubaliwa tocou num ponto importante quanto a este assunto: Por que é que quando vamos a um sítio bonito aqui no nosso país, dizemos “Nem parece Moçambique”?
A nossa auto-imagem é tal que não nos achamos merecedores de locais paradisíacos. Aqui no nosso país só pode haver pobreza, guerra, miséria.
África não pode ter coisas boas. Os africanos negros complexos, com ideias progressistas ou simplesmente diferentes “querem ser brancos”.
Parece-nos difícil olhar para quem somos e reconhecer diversidade, inteligência, riqueza. Não conseguimos ver valor, unicidade nas nossas coisas.
E o motivo é provavelmente o facto de estarmos a olhar para o mundo através de determinadas lentes.
Esse é o nosso desafio: tirar as lentes e sair desse “não-espaço”.
Criemos as nossas visões. Os nossos modelos. As nossas próprias batatas e cabelos.
One thought on “Afro-ismos e outras cenas”