
O que é que eu vou fazer com essa tal Liberdade?

O Museu do Apartheid é dedicado à história do regime segregacionista sul-africano que durou de 1948 a 1994.
Apartheid literalmente significa “separação” ou “estar separado” e durante décadas o Partido Nacional da África do Sul implementou políticas para garantir a separação de raças no país, hipotecando as vidas de todos os não brancos.
Na bilheteira ao comprarmos um bilhete somos atribuídos um título: Black (preto) ou White (branco) e devemos entrar para o museu pela porta indicada para a nossa raça.
Só isso só mostra o quão forte foi o Apartheid e como presente ele estava em todos os momentos da vida quotidiana dos sul-africanos.
Não visitem o Museu do Apartheid.
Não bastassem os números, a legislação e estatísticas disponíveis ao longo de todas as salas, o Museu traz ainda histórias reais de pessoas ‘anónimas’ que viveram os traumas e as opressões do regime do Apartheid.
São essas histórias, acompanhadas muitas vezes de fotografias e objetos pessoais que dão uma cara, um elemento humano à chuva de informação a que somos expostos.
Não fossem essas pessoas e as suas pequenas revoluções diárias, seria muito difícil compreender o quanto o Apartheid afectou e limitou o futuro das gerações que hoje vivem na África do Sul.
Visitar o Museu do Apartheid é abrir a porta para o desespero, raiva e medo em nós.
Eu chorei.
Chorei quando li o poema “A Human Being Died That Night” de Pulma Gobodo-Madikizela. Chorei ao ver um trecho do depoimento de Winnie Mandela aquando do seu julgamento na Comissão da Verdade e Reconciliação. Chorei ao ver fotos do Soweto Uprising e ler mais sobre os sacrifícios que os jovens fizeram para ver uma África do Sul livre.
Chorei mesmo.
Não visitem o Museu do Apartheid.
Pelo menos não o façam sem terem pelo menos 2h para de facto se entregarem à obra extraordinária e muito bem conseguida que todo o museu é.
Para além de uma extensa exposição sobre Nelson Mandela, desde a sua entrada no ANC até à chegada à Presidência, o Museu conta com uma exposição permanente de Ernest Kole, fotojornalista sul-africano cujo trabalho foi banido na época.
Ernest Kole, para além de ter registado em imagens importantes momentos da vida da população negra na África do Sul, fez também questão de escrever várias notas, ensaios e depoimentos.
Visitar o Museu do Apartheid é fazer uma viagem pelos dramas e dilemas da vida num sistema extremamente opressor. Através de fotos, relatos, vídeos, textos e objectos, somos convidados – convidados, não – convocados! a questionar e perceber como essas estruturas e categorias se alteraram e ao mesmo tempo, perpetuaram.
Se existem fantasmas – e eu acredito que eles existam – o fantasma do Apartheid certamente frequenta aquele lugar. É um edifício sombrio, sóbrio, gigante e pesado, um pouco como o Apartheid… acredito.
Não seria justo nem correcto dizer que este Museu é bonito. Museu do Apartheid bonito? Não, obrigada. Este Museu é horrível, brutal e violento.
Não visitem o Museu do Apartheid!
O meu voto feminista procura um candidato feminista para relacionamento sério e duradouro.
Eu quero um candidato generoso, paciente e solidário. Um candidato sensível às questões de base: saneamento; saúde; educação.
Eu quero um candidato pronto para facilitar as iniciativas dos cidadãos que estão a criar mudanças na nossa comunidade para responder a essas mesmas questões.
Eu quero um candidato que perceba as minhas necessidades e esteja disposto a trabalhar comigo para juntos arranjarmos soluções.
Caro candidato, saiba que para ter o meu voto terá de trabalhar muito. Eu sou mulher de me entregar facilmente quando quero, mas também sei gingar quando não me sinto segura.
E antes de se relacionar comigo deve saber que sou uma mulher feminista e o meu voto vem dessa consciência.
Para ter o meu voto, o candidato tem de me responder:
Existe uma política (e prática) de igualdade de género no seu gabinete? Se sim, qual? Se não, porquê?
Existem mulheres em cargos de decisão na sua equipa? Quantas? Essas mulheres são apostas reais na sua equipa a longo prazo? No fim do mandato, onde estarão estas mulheres? Qual será o resultado esperado?
Como é que o candidato irá abordar as questões de género e cruzá-las com outras discriminações (idade; origem étnica/nacionalidade; sexualidade; capacidade física)?
Mas mais do que um candidato atento aos meus interesses individuais, nós precisamos sobretudo de um candidato que possa fazer muito para um colectivo de pessoas.
E para se relacionar comigo, tem de saber que eu sonho em um dia construir família numa comunidade dinâmica, com actividades culturais e desportivas.
Eu sonho em andar por aí de mãos dadas com quem eu quiser sem ter medo de ser atacada ou ofendida. Como é que o candidato criará condições para tal?
Que tipo de apoio pretende dar às vítimas de violência? E que medidas preventivas serão colocadas em curso para evitar que tal aconteça?
E por falar em violência, como pretende fazer do espaço público um espaço seguro? Um espaço em que todas as mulheres possam exercer o seu direito de ir e vir, a qualquer hora, com qualquer roupa sem correr o risco de ser vítima de algum tipo de violência?
Como é que pretende tornar o espaço público mais limpo, amigo do ambiente e acessível por pessoas portadoras de deficiência?
Gostaria também de saber, como podemos criar condições para as mulheres abrirem negócios próprios, gerando renda para as suas famílias e contribuindo activamente para a nossa economia?
E mais, como ele vê o papel da mulher na economia informal? E o que podemos fazer para assegurar a prosperidade desses negócios?
O meu voto feminista quer um candidato capaz de fazer tudo isso.
Então se você acha que pode ser essa pessoa, que tem o perfil para construir essa relação comigo, me convide para sair.
Este ano dos 165 candidatos às 50 autarquias, apenas 5 são mulheres. Por que será?
Segundo dados do INE as mulheres representam mais de metade da população, portanto não podemos ficar excluídas das decisões a nível político. Dos cerca de 28,8 milhões de moçambicanos, 15 milhões são mulheres.
Segundo algumas vozes, as mulheres é que são as culpadas, pois não tomaram iniciativa, isto é, não se candidataram dentro dos próprios Partidos. Elas fazem parte das listas como membros das Assembleias municipais, mas não como cabeças de lista para os Municípios.
Apesar de a nossa Assembleia da República ser presidida por uma mulher e ter 40% de representatividade feminina, as mulheres ainda encontram muitas barreiras para gerarem mudanças. O acesso a posições de liderança ainda é bastante reduzido e isso vai desde o topo (Presidência; Conselho de Ministros; etc) até à base (Secretários de barro; Régulos/ Rainhas; etc).
Para além disso, nem sempre essa representatividade se reflecte em avanços para a vida das mulheres comuns. Não podemos ignorar o facto de as mulheres em posições de poder prestarem contas a instituições que são regradas por interesses que não dão prioridade às questões de género.
Ter mulheres em posições de poder é um passo sim, mas não nos podemos deixar ficar por aí. Devemos cobrar mais, não só a elas mas a todos os dirigentes.
Pois não basta só colocarem mulheres no poder, é importante combater as mentalidades patriarcais e sexistas que alimentam as desigualdades e as discriminações de género em todas as esferas.
As próprias mulheres no poder são vítimas dos interesses patriarcais que muitas vezes protegem. Elas são expostas a assédio verbal e escrutínio público pelo simples facto de serem mulheres: a roupa que vestem; como falam; como se sentam; se são casadas ou não; se têm filhos ou não; tudo isso é usado para descredibiliza o seu mérito.
Mesmo aquelas que não não entram na política ‘voluntariamente’ como por exemplo a Primeira Dama, são vítimas dessas pessoas defensoras da moral e bons costumes, da “cultura”.
E muitas vezes ouvimos discursos machistas e conversadores, vindos de quem está no poder. Usa-se sobretudo a cultura como escudo para travar avanços para as mulheres.
Em Moçambique as desigualdades de género estão associadas a factores culturais que ditam o papel das mulheres e limitam o nosso acesso à educação, ao mercado de trabalho, a património, etc.
Eu como mulher e como feminista gostaria de ver os meus interesses salvaguardados e não somente porque existem mulheres no poder, mas também porque essas mulheres têm nas suas agendas as questões de género destacadas.
Uma coisa não podemos esquecer: todas as conquistas das mulheres foram por mérito próprio.
Ninguém “deu” às mulheres o direito ao voto; o direito à educação; à formação militar; etc. Todos os direitos foram reivindicados!
E para salvaguardar esses direitos que com tanto esforço, sangue e sacrifícios foram conquistados, devemos nos manter vigilantes e cientes do nosso papel como cidadãs deste país.
Se nós queremos uma sociedade mais justa, mais atenta às questões de género, teremos de fazer valer o nosso voto e cobrar isso de quem nos governar.
Hoje em dia muitas mulheres já têm consciência dos seus direitos e deveres. Contudo, apesar de haver uma moldura legal e uma aparente representatividade, a implementação dessas leis tem-se mostrado bastante frágil.
Não basta só colocarem lá as mulheres se depois vão instrumentalizá-las para favorecer a ordem em vigor.
Os nossos dirigentes precisam de pensar, por exemplo, sobre melhores formas para proteger as vítimas que denunciam violência doméstica; formas de melhor preparar as autoridades que recebem estas vítimas; mais segurança em espaços públicos; etc.
O meu voto é feminista!
… Resta saber se existe candidato feminista.
Querido Mamadou,
Espero que esta carta te encontre bem.
Diz aos teus colegas que nós, imigrantes, levamos na mala apenas amor. É o amor à vida, à esperança, às possibilidades que nos leva a abandonar tudo e a enfrentar muros, grades e cancelas para entrar em outros países.
É o amor que nos faz limpar o chão e carregar blocos, pondo em risco a nossa própria saúde. E é o amor também que te move e que te levou até Paris.
Imagino o teu desespero ao deparares-te com o cenário: uma criança de apenas quatro ano pendurada de uma varanda e uma multidão de espectadores. Certamente alguém terá ligado aos Bombeiros, à Polícia, enfim, a alguém! É assim nos países onde as coisas funcionam: não precisamos de nos mexer muito, porque sempre vem alguém!
E afinal esse alguém foste tu! Quem diria!
Saíste do Mali ainda adolescente e de lá, ao teu passo, numa saga perigosa, quatro anos depois chegaste a França.
Gosto de pensar que, ao veres aquela criança pensaste “Eu não passei por tudo para ver uma criança a morrer assim!” e graças a ti, ela sobreviveu.
Mamoudou, a tua coragem e altruísmo são inspiradores. Mas temo por aquilo que possam fazer de ti.
Embora reconheça e aplauda o teu acto heróico, não posso deixar de reconhecer também as teias de poder que te levaram até França, e fizeram de ti um cidadão de segunda-categoria.
O teu anonimato anterior ao episódio viral só evidencia o racismo estrutural em que há na França, onde um jovem imigrante não consegue um emprego digno até demonstrar qualidades super-humanas. Onde a cidadania é reservada apenas aos imigrantes que provarem de forma extraordinária que a merecem. Onde um imigrante africano apenas é digno de aplausos e respeito quando arrisca a sua própria vida para salvar um bebê, mas não quando arrisca a sua própria vida para salvar-se a si mesmo.
A narrativa actual que limita os imigrantes a ladrões, preguiçosos, bandidos é tóxica e racista. A narrativa actual que legitima a xenofobia… É só olharmos para o Brexit, para as políticas de migração na era Trump e para todos os muros que se fazem para impedir-nos de chegar ao Ocidente.
A narrativa que nos divide entre os bons e os maus imigrantes. E como tu Mamoudou, passaste para o lado dos bons. Tu agora já nem sequer és imigrante, és um cidadão francês. Tu agora falas com Presidentes.
Mas cuidado, não deixes que te usem como ferramenta para justificar os seus preconceitos, a sua afrofobia, porque nenhum ser humano, nenhum africano precisa de ser herói para ser bem tratado e ter o seu valor reconhecido.
Tu atravessaste perigos e oceanos, traficantes e ladrões e finalmente chegaste a França. Sem documentos e contando apenas com a generosidade daqueles que, como tu, se alimentavam apenas dos seus sonhos, vivias nos apertados arredores de Paris e aceitavas os poucos (e precários) trabalhos a que tinhas acesso.
Por isso não aceites a hipocrisia e cinismo de quem hoje te acolhe de braços abertos, contudo, aprova políticas repressivas contra imigrantes e especialmente contra imigrantes sem documentos.
Quando vemos um jovem imigrante como tu, muitas vezes é a matar ou a morrer, nunca a salvar ou a nascer.
Quando vemos um jovem imigrante como tu, muitas vezes vemos essa força física exibida de forma selvagem, como um defeito e tu mostraste que essa força física é na verdade um sinal de excelência e fonte de bravura.
Quantas vezes a força física dos corpos negros não foi usada para justificar a nossa exploração? Para deslegitimar as nossas conquistas?
Poucos de nós teríamos conseguido fazer o que fizeste. Poucos, mesmo que conseguíssem, talvez nem o tentassem. Por isso, parabéns!
Tu nos representaste na nossa forma mais nobre, delicada e ao mesmo tempo veloz e forte. Obrigada!
Espero que, na plataforma que agora tens, encontres um espaço para que a tua voz seja ouvida e para que outras vozes, que durante muito tempo foram silenciadas, possam também usá-la para que a sua humanidade seja reconhecida.
Com os melhores cumprimentos e um forte abraço,
Eliana N’Zualo
As Mulheres que foram à guerra e pegaram nas armas também merecem ser lembradas
Não podemos falar na emancipação da mulher sem falar na sua importância nas zonas de combate. No caso específico das lutas de libertação em África, vários países africanos se beneficiaram da sua presença em combate.
A presença das mulheres no mato, na guerrilha aconteceu de várias maneiras. Algumas aderiram porque foram com a família, com os parceiros; houve ainda as que aderiram aos movimentos de libertação por uma perspectiva de estudo e estratégia; houve as que foram obrigadas e houve também, como não podia deixar de ser, as que aderiram de foram voluntária por acreditarem na causa da auto-determinação das suas nações.
No entanto, grande parte dessas memórias foram apagadas e ficaram-se apenas as histórias dos heróis homens. E mesmo a história da presença das mulheres acabou sendo ofuscada pelo tom patriarcal que tomou, já que se vivia (ainda se vive) num contexto social de dominação masculina.
Infelizmente muito do que se conta hoje nos leva a crer que as mulheres foram aliciadas ou emparedadas pelos homens a fazerem parte da guerra, enquanto na verdade elas conquistaram esse espaço.
O líder caboverdiano Amílcar Cabral admitiu, no Seminário de Quadros de 1969 que as mulheres foram se juntando aos homens, meio que de forma desorganizada, e que foram resistindo à pressão que havia para se afastarem. O PAIGC teve então de oficializar a sua presença na luta.
“(…) Portanto, o partido não pode fazer grande bazófia de que recrutou mulheres. Em geral, as mulheres é que vieram para a luta, o que dá muito mais valor à presença de mulheres no Partido.” – Amílcar Cabral
A mesma retórica encontramos em Moçambique em que se diz que foi o presidente Samora que “permitiu” que as mulheres pegassem nas armas, quando na verdade, elas enfrentaram todo o preconceito e barreiras criadas pelos colegas homens para estarem ali.
E para que os seus feitos não se apaguem da História, é importante que as lembremos delas, que falemos e enalteçamos a sua coragem e determinação. É também graças a elas que hoje usufruímos dos direitos que temos como cidadãos de plenos direitos.
Deolinda Rodrigues
De nome de guerra Langidila, Deolinda abandonou os estudos para se juntar à luta de libertação de Angola. Em 1961 começou a combater e em 1972 foi uma das co-fundadoras da Organização da Mulher Angola (OMA)
Como guerrilheira passou por Guiné Bissau, Congo Kinshasa e Congo Brazzaville. A 2 de Março de 1968 ao regressar de uma missão no mato foi capturada, juntamente com outras mulheres, por um grupo guerrilheiro angolano e executada em cativeiro. Celebra-se nessa data o Dia da Mulher Angolana.
Deixou os seus diários que relatam os desafios, vitórias e sacrifícios da sua vida como combatente da luta armada.
Emília Daússe
Emília Daússe foi uma guerrilheira moçambicana. Como jovem guerrilheira, foi das mais activas mulheres, tendo recrutado muitos combatentes na província de Tete.
Em pouco tempo alcançou posições de liderança. Após o seu treino político-militar na Tanzania em 1972, comandou um pelotão de cerca de 40 combatentes (homens e mulheres).
Morreu numa emboscada a 11 de Novembro de 1973.
Carmen Pereira
Foi a primeira mulher presidente de um país africano quando em 1984 assumiu a presidência da Guiné Bissau por 3 dias.
Foi uma figura política importante, tendo lutado para a independência da Guiné Bissau através do PAIGC.
Foi uma líder de alto escalão político no país tendo passado por Presidente da Assembleia Nacional e Vice-Primeira -Ministra, entre outras posições.
No Dia Internacional da Mulher não quero rosas, quero direitos.
O dia 8 de Março começou sobretudo pela necessidade que (algumas) mulheres sentiram de reivindicar direitos trabalhistas, no séc. XIX e XX.
Ao mesmo que isto acontecia, outras reivindicações foram se tornando mais urgentes: o direito à participação política (eleger e ser eleita); o direito à liberdade (para as mulheres escravizadas); o direito à independência (para as colonizadas); enfim… Foram vários os processos históricos que definiram estas lutas, mas a verdade é que foram vencidas.
O 8 de Março, mais do que uma celebração, é uma oportunidade para reconhecer e agradecer os sacrifícios feitos em nosso nome, em nome das mulheres que somos hoje para que pudéssemos simplesmente ser e existir.
De que vale sermos bombardeadas com imagens bonitas e palavras doces no dia 8 de Março se temos menos oportunidades de crescimento pessoal e profissional?
Como se não bastasse, na verdadeira moda capitalista, a data agora é sinónimo de lucro para as empresas de cosméticos, floristas e afins.
Onde quer que estejamos, somos expostas a uma variedade de campanhas direcionadas a mulheres, disfarçadas de empoderamento, mas que na verdade não passam de formas de opressão mais sofisticadas.
Para mais, muitas ofertas e promoções só alimentam as grandes indústrias que não só lucram com as nossas inseguranças e paranóias, como lucram também com a nossa mão de obra barata.
Seja no seio familiar, no ambiente de trabalho, nas instituições de ensino, onde quer que estejamos, nunca estamos a salvo. Há sempre lutas a serem travadas para sermos ouvidas e reconhecidas como seres autónomos e donos das nossas vidas.
Não querendo estragar a festa, já estragando, vamos nos deixar de romantismos por favor. O 8 de Março não é pra ‘esquecermos’ as nossas dores, mas sim para reconhecê-las e quem sabe até curá-las.
Então vamos lá:
Mulheres não são as guardiãs da moral e bons costumes da sociedade.
Nem todas as têm vaginas.
Mulheres em relacionamentos homoafectivos não querem ser homens.
Mulheres podem vestir (e despir) o que quiserem.
Ser mãe e ser mulher não são sinónimos.
Mulheres também fazem cocó e arrotam.
Mulheres aspiram ascensão profissional
Muitas mulheres sentem-se e vivem completas sem um parceiro afectivo.
As mulheres conseguem derivar prazer e plenitude sozinhas.
O orgão sexual masculino não é o sonho de todas as mulheres.
Nem todas as mulheres gostam de cozinhar.
Para ser mãe não precisa de ser esposa de ninguém e nem de ter filhos biológicos
Nem todas mulheres foram feitas para serem donas de casa.
Nem todas as mulheres sonham em casar. Nem todas as mulheres querem ser mães.
Mulheres que usam roupa curta, não são necessariamente prostitutas nem querem a atenção de homens, podem simplesmente gostar.
Nem todas as Mulheres querem ser chamadas de ‘gostosas’ na rua
Nem todas as Mulheres querem ser magras
Nem todas as Mulheres querem ficar a conversar na cozinha com as outras
Nem todas as mulheres gostam de saltos altos ou roupas sexy.
Mulheres podem definir quem pode ou não tocar nos seus corpos.
O ‘não’ da mulher é não, não é sinónimo de charme.
Mulheres não devem obediência a ninguém.
Mulheres podem ser o que quiserem.
Mulheres não devem simpatia a ninguém.
Mulheres podem beber o que e o quanto quiserem.
Mulheres também podem ser ‘chefes de família’
Mulheres não precisam de autorização do marido para tomar qualquer decisão profissional.
Mulheres também gostam de futebol.
Portanto, não quero rosas.
Não quero apenas ‘Parabéns’. Não quero celebrações. Não quero chocolates. Quero uma reflexão profunda sobre a situação real das mulheres de todo o mundo. Quero o fim de todo e qualquer tipo de discriminação baseada no género. Quero o fim do Patriarcado.
Quero andar na rua em segurança, a qualquer hora, com qualquer roupa. Quero o mesmo salário pelo mesmo trabalho.
Quero o fim das piadinhas machistas, das roupinhas cor-de-rosa, da imposição de um determinado padrão de beleza.
Eu quero apenas ser e existir.
Em homenagem a Titina Silá, assassinada a 30 de Janeiro de 1973, guerrilheira do PAIGC, partilho aqui alguns poemas de autores Guineenses.
“Quando te procuro”
Vejo-te em todas as faces quando te procuro.
Entre a multidão, encontro-te
Tão profunda como a esperança
Em cada criança
A tua face desce serena e promissora
Como o futuro.
Quando te procuro
Encontro-te no homem
Que se procura.
Nas lutas
Nas mãos que removem dolorosamente a terra
Nas lágrimas que comovem o sol
Nos passos-passos que caminham como o ferro
Encontro-te como a vida, como flor!
Quando te procuro
Encontro-te nas alamedas verdes que se agigantam
Nas veias da flor
Na cor manda dos lagos
No perfume viril e transparente da atmosfera
No olhar vertical e penetrante da esperança
Reencontro a tua presença
Transparente e forte como a paz!
Encontro-te em todas as faces quando te procuro
Na eterna sinfonia da vitória
No canto rubro do Homem
Na aurora que cresce e cresce como a vida
Reencontro-te. Ardente e profunda como o amor!
Entre a multidão que caminha
Entre o canto e o sangue que chora
Procuro-te e encontro tão caro o teu nome
Liberdade!
Hélder Proença
“Anónimo”
Vida,
Tecido
Ué se desfia
Ao sabor
Dos House
Tristes obtemos
Que desejamos
Eternos amanhãs.
Vida,
Perpétua lida
De fins sem fim
… Encima!
Como ondas do mar
Que nos escapam
E nos escapam
Sem parar
É cada fluxo
É um sorriso
Que o refluxo
Apaga
Do nosso olhar.
Jorge Cabral
“Eu sou tudo e sou nada”
Eu sou tudo e sou nada.
Mas busco-me incessantemente,
– não me encontro!
Ó farrapos se nuvens, passarões não alados,
Levai -me convosco!
Já não quero esta Cida.
Quero ir nos espaços
Para onde não sei.
Amílcar Cabral
O olhar do escritor face as utopias vividas em Moçambique nos anos 70.
Publicado em 1972, o livro “Cacimbo”, de Eduardo Paixão descreve os últimos anos de ocupação colonial portuguesa em Lourenço Marques (Maputo) seguindo os amores e dissabores de uma família portuguesa em Moçambique.
Um importante livro na sua época, pois capta as emoções e contradições de uma geração no meio de um conflito intenso e de várias mudanças, em todo o mundo. Assim, o autor explora os conceitos de (des)colonização; socialismo/ comunismo; identidade; nacionalidade e raça.
Nota-se no seu tom que o livro é mais um manifesto do que romance, na medida em que propõe uma acção ao leitor, fazendo denúncias aos princípios ultrapassados que justificavam o Colonialismo e evidenciando a necessidade de se criar uma nova realidade para Moçambique.
Usando-se dos personagens para representarem determinadas figuras/ valores da sociedade, o autor então vende-nos esta nova realidade, a tal utopia, re-imaginando-os.
Por exemplo, D. Emília de Sucena, representa os valores da família e a figura da mulher-mãe na sociedade colonial: zelosa; ocupada com reuniões sociais, jantares e institutos de beleza.
O seu filho, Artur, representa a revolução: a juventude activa; o inconformismo; a fúria e desgosto de quem se vê com poucas armas para defender os seus ideais.
Também o narrador, omnisciente, serve de porta-voz para a razão. Ele é que legitima todo o fundamento ideológico ao longo da história, mostrando não só o que o personagem verbaliza, mas também o que pensa.
No entanto, ao se tornar testemunha, o próprio narrador mostra algumas contradições, pois se por um lado condena o Colonialismo e sonha com um mundo em que todas as raças possam viver harmoniosamente, por outro é incapaz de denunciar as atrocidades e a brutalidade do Colonialismo Português.
Ainda que de forma sofisticada, Eduardo Paixão, procura sempre a visão luso-tropicalista do bom colonizador português.
“O nosso tradicional multirracialismo possibilitava-nos um presente de paz e amor” (p.132)
Pela voz de Anabela acrescenta, mais tarde:
“Felizmente nós [os portugueses] não praticamos a segregação racial que leva ao ódio e à destruição.” (p. 244)
A única figura racista no livro é D. Emília, que se vê desconfortável pelo seu filho namorar com uma rapariga negra.
“Era o maior desgosto da minha vida ver o meu filho casado com uma rapariga de cor.” (p. 126)
É por isso interessante cruzar todos os discursos e imaginar a tal utopia que nos tenta vender Eduardo Paixão. Que mundo é esse em que brancos e pretos vivem harmoniosamente? Como construir esse mundo em que brancos e pretos são igualmente livres?
Eduardo Paixão, como criador também é, ele próprio, a História. Pois é através do seu olhar que desenhamos a sua época. Por isso temos de digerir essas tensões que tanto o incomodam. Será Portugal um “bom colonizador”? Como repudiar o Colonialismo Português sem ser anti-Portugal?
É esta constante comichão que sentimos ao ler “Cacimbo”: um cansativo e desesperado exercício para defender um ideal sem ferir a realidade que conhece e que o molda.
Inserir os personagens, a narrativa e o próprio autor no devido tempo e espaço, com todas as ideias, preconceitos, contradições e transformações é essencial para perceber a obra.
As utopias descritas em “Cacimbo” continuam actual na medida em que a visão colonial ainda não foi concretizada e precisa de nós, desta actual realidade para se decidir – O que é isto de ser livre, afinal?
Tio Antônio quando travalhaba
Nas obras numa plantação
Que pertenciam a um colono
Tio Antônio era contratado
Sob um sol ardente do Mocaba
Ele apanhou um pau nas costas
Um capataz pretendia
Que ele era demasiado lento
Tio Antônio era contratado/ Antônio kumbe kumbala
Antônio wayenda ku Zombo
Ngwa nkazi wayenda mu n’tonga
Elumbu kesinga vutuka/ Festa na aldeia
Esta música angolana, narra a triste história do Tio António, um camponês que durante o tempo colonial trabalha arduamente todos os dias e é abusado pelo capataz pois supostamente é muito preguiçoso.
[A sua família fica para trás, aguardando ansiosamente o seu regresso para fazer uma grande festa na aldeia.]
Tio Antônio quando trabalhava
Nas obras numa plantação
Que pertencia a um colono
Tio Antônio era contratado
Por ter recusado
Foi deportado
Deportado longe de sua terra
Tio Antônio
Tinha deixado
A família em sua terra
Actualmente têm circulado imagens de viajantes africanos a serem vendidos publicamente algures na Líbia. A comoção é geral, e é de se louvar. Os gritos destas pessoas – sim, PESSOAS – que foram raptadas, exploradas, manipuladas ao ponto de serem vendidas como objectos, foram ouvidos.
Então, ouçamos esses gritos. O que nos dizem? De onde vêm? Como é que esses gritos surgiram e se multiplicaram até chegarem aos nossos ouvidos?
Para quem acredita em tudo o que lê nos livros de História, os gritos surgiram subitamente, pois a escravatura terminou há séculos atrás. Para quem achava que o tráfico de seres humanos era um problema pequeno, os gritos mostraram que é um problema gigante. Para quem defendia que hoje em dia, no séc. XXI, todos os seres humanos são tratados com a mesma dignidade, os gritos colocaram em evidência a realidade falsa.
Os gritos e lágrimas que nos chegam hoje, vêm de pessoas e lugares que nunca deixaram de existir: mercados de pessoas; traficantes de pessoas; exploradores… Onde miséria, pobreza e ilegalidade caminham de mãos dadas, e as linhas da criminalidade se confundem.
Não é só na Líbia.
Tio Antônio foi empregado
Em Madeira, São Tomé, Cabo Verde
No dia do seu regresso
No dia do seu regresso, Festa na aldeia!
[Mais tarde, Tio António revolta-se e é deportado e assim viaja pelas plantações da Madeira, São Tomé e Cabo Verde.]
Esses gritos existem também nas nossas casas.
A necessidade da escravatura está tão presente hoje como estava no séc. XVIII, quando começou o movimento abolicionista, pois vivemos numa sociedade capitalista em que queremos adquirir o numero máximo de produtos e serviços pelo preço mais baixo e produzir tudo isso com mais lucro possível.
Tem de haver uma mudança no nosso consumo para que possamos de facto abolir a escravatura. Estaremos prontos para isso?
Queremos prazer ao máximo, consumo ao máximo, o melhor estilo de vida, o melhor conforto e tudo isso da forma mais barata possível. É por isso que durante as campanhas “Black Friday” invadimos lojas de marca como a Zara e Bershka como vândalos.
Em 2013, no Bangladesh mais de 100 pessoas morreram quando duas fábricas ficaram arruinadas. Nessas fábricas os “trabalhadores” faziam roupas para essas mesmas marcas em condições deploráveis.
No Brasil, essas mesmas marcas subcontractam empresas que contratam funcionários menores de idade que trabalham em turnos de 16h diárias.
Sim, porque para que essas marcas possam fazer as roupas que nós tanto gostamos – e descartamos sazonalmente – é necessário que haja pessoas a trabalhar como escravas.
A ganância e egoísmo que nos rege hoje é um dos mais importantes factores que impulsiona o trabalho escravo e o tráfico de humanos.
O nosso erro é nos calarmos face a estes abusos. O nosso erro é não procurarmos saber de onde vêm os produtos e serviços que consumimos (ou aspiramos consumir) . O nosso erro é não querermos saber qual o prejuízo humano para cada item que temos na nossa casa.
Se realmente queremos acabar com o trabalho escravo, temos de começar por reconhecer a nossa cumplicidade.
Nas nossas próprias casas, nos nossos locais de trabalho, nos nossos bairros, quantas pessoas vivem em situação de escravidão? Quão permitidos somos com essas situações?
Comecemos pelas nossas empregadas domésticas, que dignidade lhes conferimos? As crianças a quem compramos amendoins na rua, que direitos têm garantidos? Os guardas/ seguranças, em que condições trabalham?
Comecemos por aí.
Não é uma questão de culpa ou vergonha, mas sim de responsabilidade. Temos de assumir o poder que está nas nossas mãos para mudar alguma coisa.
Em vez de culparmos os governos e grandes corporações; em vez de exigirmos melhor legislação, melhor controle de fronteiras, trabalhemos este espaço que ocupamos agora.
A nossa indiferença faz-me pensar no Tio António, cuja história deu uma boa música para as nossas festas.
Embora a música seja animada, narra vivências reais de muita dor e sofrimento. Não podemos deixar que isso continue a acontecer no séc. XXI.
Não podemos dançar ao som dos gritos dos escravizados.
Antônio wayenda ku Zombo
Ngwa nkazi wayenda mu n’tonga
Elumbu kesinga vutuka/ Festa na aldea
Bu ukuenda ku Zombo tata Antônio/ Antônio kumbe kumbalala
Buku toma siminina/ Antônio…
Kuikila mfumu Yisu/ Antônio…
Elumbu kesinga vutuka/ Festa na aldea