Como a História que nos ensinam deturpa a realidade dos tempos que se foram.
No nosso imaginário a “vida na quinta de escravos” ou a “vida na colónia” era cheia de alegrias e tempo livre para correr, brincar, namorar. Lá as senhoras brancas confidenciavam nas suas amas de leite, que depois de apaixonavam pelos seus patrões brancos e desse amor proibido nasciam filhos mestiços.
As crianças, tanto brancas como negras, eram livres para correr, brincar e comer. Podiam ir à praia ou comer os frutos silvestres que caíam das árvores.
Ah! Como eram bonitos, os bons e velhos tempos!
Esse saudosismo barato que glorifica as atrocidades cometidas pelos países colonizadores e sociedades esclavagistas é muito comum e começa cedo.
Durante a infância, as crianças são ensinadas a fazer uma interpretação romântica da Escravatura e do Colonialismo.
Os livros escolares trivializam as questões de violação de direitos humanos. Adicionalmente, não fazem uma leitura fidedigna da natureza das relações de poder e das violências levadas a cabo pelos países colonizadores.
Assim, as crianças crescem sem uma visão fiel da História e perpetuam os ideais imperialistas e racistas que até hoje regem o mundo.

Na África do Sul recentemente a deputada Helen Zille do principal partido da oposição (Aliança Democrática) elogiou o legado do Colonialismo.
Segundo ela, foi graças ao sistema colonial que a África do Sul conseguiu ter grandes infraestruturas (hospitais; rede de transportes; etc). Mas, para quem eram tais infraestruturas? Quantas pessoas tiveram de morrer para construir tudo isso? E até hoje, quem tem acesso a tais infraestruturas?
E sobretudo, é importante referir que tais construções tiveram um preço muito alto, demasiado alto. Apenas em 1994 a África do Sul se libertou das correntes do Apartheid, que deixaram a população negra sul-africana estruturalmente desfavorecida.
É a população negra que ocupa os cargos mais precário, que faz o trabalho mais pesado; que vive nas zonas mais vulneráveis tanto para a sua saúde como para a sua segurança e obviamente, é a população negra quem tem menos acesso a Educação Superior.
Taxativamente falando, é esse o legado do Colonialismo.
A imagem e fotografia que se dá ao Colonialismo sempre é aquela dos tempos de glória, em que as cidades andavam limpas e os restaurantes eram bem frequentados (leia-se aqui, na altura em que os pretos não podiam lá estar).
É esta mesma imagem que vemos recriada em hotéis, restaurantes, revistas, filmes, etc.
Essas imagens reforçam a ideia de “exótico” e “étnico” que se usam frequentemente para descrever as populações negras. São retratos que reflectem a saudade e vontade de reviver tempos que na verdade foram sombrios e de muita dor para quem foi oprimido durante séculos.
Essas reconfigurações da memória colonial não só a deturpam, como a validam. O mito vira facto.
Para além disso, reflectem também como na nossa sociedade o racismo e o colonialismo é visto como algo ultrapassado. É impensável haver um café, num hotel, com nome de “Café Nazi”, como existe em Lisboa o “Café Colonial“.
No entanto, o Colonialismo foi também um sistema de domínio que definia uma determinada raça como superior à outra; um sistema que limitava as liberdades das raças tido como inferiores; um sistema que perseguia, torturava e matava aqueles que se opunham ao poder. Tal como o Nazismo, o Colonialismo foi perverso, violento, nocivo.
Embora com objectivos distintos, ambos sistemas deixaram marcas que se fazem sentir até hoje.

Mas a nostalgia colonial está também presente nos países hoje independentes.
Por exemplo, até recentemente havia uma discoteca chamada “Sanzala” na Baixa de Maputo. Isto evidencia a insensibilidade com que se trata a escravatura no país e a falta de conhecimento do horror e violência a que as pessoas escravizadas eram submetidas.
No Brasil também são comuns as referências à escravatura. No ano passado uma quinta que fazia encenação da vida dos escravizados (incluindo torturas) foi denunciada e obrigada a encerrar o “entretenimento”.

É importante contar a História tal ela aconteceu. Houve exploração, violação, dominação dos povos africanos. Houve desmando e abuso.
O Colonialismo e a Escravatura foram processos dolorosos que não só dizimaram pessoas, mas também culturas. As nações foram roubadas e impedidas de se desenvolverem, de usar os seus nomes e as suas línguas.
Cabe-nos a nós reconhecer e falar das atrocidades cometidas com a devida seriedade sem crises de consciência.
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