Glamourização da Pobreza

Reynaldo Gianecchini esteve recentemente em Moçambique glamourizando a nossa Pobreza como manda a praxe.

São várias as celebridades que viajam para África com dois objectivos bem distintos: férias de luxo ou trabalho voluntário.

A primeira categoria acontece sobretudo fora das grandes cidades, em ilhas semi-desertas e privadas, de pouco acesso para nós, pobre locais – ainda que sejamos os nacionais.

E geralmente nestes casos não há muitas fotos, à excepção de uma ou duas fotos na redes sociais, pois afinal de contas a proposta de valor desses locais é a oportunidade de os famosos manterem alguma privacidade, longe dos paparazzi e dos olhares dos fãs.

Por outro lado, o trabalho voluntário que essas celebridades vêm fazer envolve muita notícia. Afinal de contas, o que seria caridade se ninguém aplaudisse o gesto do privilegiado que estica a sua mão para os desfavorecidos?

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Garçon!! 😃#FraternidadeSemFronteiras

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Gianecchini não desaponta. Com a mesma dedicação com que a genética desenhou a sua face, ele tira fotos com crianças e idosos, no meio da savana africana, num tal país chamado Moçambique.

E como não podia deixar de ser, emociona-se ao se aperceber da triste felicidade que essas pessoas vivem diariamente. Com tão pouco são tão felizes. Não passam a vida a reclamar. São verdadeiramente ricas. Aos meus olhos não vejo miséria. Têm vidas preenchidas com amor.

Certamente é esse amor e essa tal felicidade que lhes enche a barriga à noite. Que cura as doenças. Que rega as suas machambas e alimenta os animais.

Os moçambicanos partilharam todas as fotos cheios de orgulho pela presença de Sua Majestade, Reynaldo Gianecchini lá no meio do nada, a forçar sorrisos com as pobres crianças.

Esqueceram-se até que por fotos idênticas quase boicotaram um show do Nelson Freitas.

Em 2016, quando Nelson Freitas esteve em Maputo para um espectáculo de lançamento do seu novo álbum, à saída do aeroporto tirou fotos das ruas. Ao publicar a realidade nua e crua foi criticado, chegando até a apagar a foto.

Os seguidores se mostraram desconfortáveis em ver a sua Pobreza exposta.

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Os seguidores moçambicanos do artista cabo-verdeano não gostaram da foto por ele publicada. Fonte: Sapo MZ

Segundo eles Maputo é mais do que aquilo. Moçambique é melhor que aquela foto. Moçambique é lindo, é rico, é limpo. E de facto, somos isso tudo.

Mas somos também essa Pobreza, essa imundice, essa crueldade. Somos – e temos de assumir isso – feitos de contrastes.

Ao negarmos uma Pobreza e aceitarmos a outra evidenciamos a nossa hipocrisia. A nossa preocupação é selectiva. Pouco nos importa quem vê a nossa Pobreza, mas queremos que a Pobreza venha bonita.

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Presidente da República Filipe Nyusi e ex ministro da Educação Jorge Ferrão numa escola primária sem carteiras.

A glamourização da Pobreza valida-a. Naturaliza-a.

Ajuda-nos a olhar para a pobreza como algo normal, como algo que não deve ser corrigido.

Visitamos uma escola onde as crianças estudam sem carteira e aplaudimos as suas notas. Sentamo-nos no chão ao seu lado e sorrimos como se fosse confortável estar naquele lugar e de facto aprender. Rimos e brincamos com elas como se aquilo fosse de facto uma escola.

Olhamos para as mulheres atarefadas, a carregar os filhos, as compras e metade do mundo e dizemos “Parabéns! És tão forte!”, em vez de oferecermos soluções concretas para acabar com o seu sofrimento. Soluções para ela não precisar de ser forte. Para ela se sentir confortável em mostrar vulnerabilidade.

Aplaudimos a Pobreza que nos é exibida de forma glamourizada. Gostamos de ver as pessoas pobres a brincar, sofrendo de forma feliz, de forma a que não perturbe a nossa vida pseudo-burguesa.

Queremos ver uma Pobreza com maquilhagem, cirurgia plástica, filtro do instagram, sorriso falso. Uma Pobreza disfarçada.

Pobreza não é glamour. Não é prémio. Não é benção.

É Pobreza.

 

 

As negras do quintal

Existe trabalho doméstico ou estamos perante situações de escravidão doméstica?

As negras do quintal eram as mulheres que no séc. XIX/ XX vivam em situação de escravidão doméstica “voluntária” trabalhando sem remuneração, em troca de refúgio e um prato de comida.

Estas mulheres, muitas vezes ainda meninas, eram entregues a famílias abastadas devido às situações precárias dos próprios pais, que sem condições para criá-las, deixavam-nas à mercê da sorte (ou azar) vivendo num canto qualquer do quintal de um casarão.

Como escravas trabalhavam toda a vida com a sua identidade alienada, sem espaço para desenvolver vontade própria ou definir objetivos pessoais para além de trabalharem nas tais casas, os seus “patrões” podiam ceder algumas horas do seu tempo a outras famílias e assim fazer dinheiro com a mão-de-obra das suas negras, como se de um aluguer se tratasse. Isso permitia que os patrões tivessem algum “retorno” do investimento tido no sustento e “treino”da sua funcionária.

Avançamos para o séc. XXI e olhando ao nosso redor vemos uma nova versão dessas negras do quintal nos nossos prédios, nos nossos bairros; nos quartinhos de fundo ou mesmo no chão da sala.

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O trabalho doméstico tem origem escravagista. Fonte: Nã0 Me Kahlo

Durante a época colonial ter empregados domésticos era um sinal de prestígio por ser um privilégio de poucos. E para os empregados era uma oportunidade para aprenderem e viverem como cidadãos dignos, aproximando-se ao ideal de “colonizado domesticado”, que apesar de explorado tece uma admiração profunda pelo seu colonizador, uma situação complicada que nos remete à Síndrome de Estocolmo.

Para as vilas e cidades, onde vivia a maior parte das famílias privilegiadas, afluíam sobretudo jovens migrantes do meio rural, em troca de abrigo e comida na esperança de alguma ascensão social. Alguns deles puderam se assimilar, ou se não eles, os seus filhos.

Depois da independência, com a urbanização das vilas e o crescimento das cidades, novamente do meio rural saíam jovens à procura de uma actividade assalariada e muitos a encontraram na forma de trabalho doméstico.

O trabalho braçal sempre esteve a cargo das camadas mais pobres e vulneráveis da população e por isso é visto como inferior. Por esse motivo, o trabalho doméstico é não só desvalorizado, mas menosprezado, evidente pela arbitrariedade na remuneração demasiado baixa; ilegalidades na contratação, jornadas de trabalho longas; assédio moral; abuso sexual e psicológico; entre outros.

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Em Moçambique mais de um milhão de crianças são vítimas de trabalho infantil. Fonte: Jornal Notícias

Não é por acaso que a esmagadora maioria das pessoas que exercem tais funções são mulheres negras provenientes de zonas rurais. Para muitas delas não foi uma escolha, mas sim uma necessidade que as levou a sair do seu local de origem.

Num contexto em que muitos jovens homens migram para outros países, como por exemplo a África do Sul, para trabalharem nas minas e raramente enviam o suficiente para a família, as mulheres vêem-se obrigadas a procurar alternativas para sair da situação de precariedade em que se encontram.

Isto, aliado ao facto de vivermos numa sociedade em que há tão poucas oportunidades de crescimento e desenvolvimento para as mulheres rurais, a possibilidade de garantirem a sua sobrevivência e dos seus filhos pode representar a única opção válida.

Estas mulheres desconhecem os seus direitos elementares, como privacidade e respeito e por isso facilmente aceitam as condições “oferecidas” pelos patrões na cidade. Outras, não têm voz na decisão pois tudo é negociado com os pais, sobre a desculpa de “ajudar a criar”. Assim, desde cedo começam a trabalhar se expondo a todos os tipos de violência, sem direito a educação nem acesso a serviços de saúde.

Enquanto isso os seus filhos continuam sem condições para sair da pobreza extrema em que se encontram, pois são criados na ausência dos pais, num meio em que a sua educação é negligenciada e não têm apoio emocional e psicológico para sequer sonhar.

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A emancipação da trabalhadora doméstica segundo a artista Mary Sibande. Fonte: The Guardian

É possível ver como a lógica colonial se perpetuou até hoje, em tempos em que famílias de quatro ou mesmo três pessoas se dão ao luxo de ter duas empregadas ao seu dispor.

É comum agora vermos em restaurantes e mesmo festas e convívios familiares casais com as suas crianças e as respectivas babás, muitas vezes uniformizadas ou extremamente mal vestidas, destoando totalmente do ambiente para evidenciar que elas pertencem a outro espaço que não aquele.

Até nos domingos e feriados, para muitos pais os únicos dias que podem passar com os filhos, não conseguem dispensar a sua empregada para ela também gozar de um dia de descanso quiçá também ao lado dos filhos dela.

Os abusos são vários.

Quando viajam também levam consigo as empregadas e raramente pagam aquilo que deviam por isso. É normal em qualquer outro emprego receber-se um valor per diem que cobre pelo menos o dinheiro para a alimentação, estadia e transporte, contudo sabemos que para as empregadas domésticas não é assim, elas raramente sequer escolhem o que vão almoçar.

Se forem empregadas domésticas que dormem no local de serviço, é esperado que elas estejam disponíveis 24h por dia, muitas vezes sem um horário fixo. Porquê? Um engenheiro a trabalhar numa estação petrolífera segue um horário, o mesmo para um marinheiro em alto mar.

E mais, haverá de facto necessidade de ela dormir no local de emprego? Que tarefas precisam de ser feitas à noite e os pais não podem fazer? Será que ela não precisa de estar com a própria família?

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O trabalho doméstico é onde sexismo e classismo se convergem. Fonte: Miss Milli B

As negras do quintal mudaram de nome, mas continuam aqui. São as empregadas domésticas, as babás, as secretárias do lar; as ajudantes; etc. São as mulheres que oprimimos em nome da nossa própria ascensão social.

São as mulheres que “são como se fossem da família”, mas a quem privamos de ter uma vida social saudável, manter relações românticas, buscar uma carreira ou prosseguir os estudos. São as mulheres que desde cedo vivem connosco, mas em locais pequenos, pouco arejados e menos confortáveis; vestem as nossas roupas velhas e comem somente aquilo que nós deixamos. São as mulheres que recebem o nosso mau humor de braços abertos, trabalham horas extras sem reclamar e ainda nos põem os filhos para dormir.

Mesmo de forma disfarçada, a verdade é que estas mulheres têm os seus direitos básicos sistematicamente vedados. É uma opressão disfarçada em laços afectivos, já que tratamos o trabalho que fazem com demasiada informalidade e pintado num discurso de caridade e familiaridade.

Estas mulheres, as “negras do quintal”, são invisíveis à nossa vivência burguesa que consegue pagar viagens mas não paga salários dignos. 

 

 

Escolher o Terceiro Mundo

Por que muitos de nós voltaram e alguns nem sequer partiram?

Quando dizemos que somos de um país do Terceiro Mundo, parece que as perspectivas e expectativas que as pessoas têm para nós se fecham.

Primeiro vem a piedade. Apesar de essa denominação ter mudado para “países em desenvolvimento”, ambos os conceitos carrega consigo o mesmo estigma e miséria. Depois da piedade vem a pergunta “E como é viver aí?” ou pior “Por que é que vives aí?”

Por mais estranho que pareça, ainda que haja oportunidades para sair, há quem queira ficar. Ou quem saia e regresse – como eu.

Viver no Terceiro Mundo é diferente de viver no Primeiro Mundo. Essencialmente viver num país em desenvolvimento significa que temos as nossas opções mais limitadas.

Os elementos fundamentais para a sobrevivência de uma determinada comunidade, tais como água; comida; roupa; educação; saúde; electricidade; etc são mais escassos. Também não temos infraestruturas que facilitem a distribuição destes bens, criando um fosso entre as zonas que têm os recursos e aquelas que não têm.

Para além disso, geralmente os países do Terceiro Mundo são famosos pelos altos níveis de corrupção e falta de transparência (e competência) das lideranças.

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Fim do terceiro mundo? Fonte: World Bank
Para quem, como eu, já teve o privilégio de sair e viajar para alguns países eu posso com toda a certeza dizer: há vários Terceiros Mundos. Há países semi-industrializados com um rendimento médio perto da média mundial e há países em conflitos, em bancarrota que são do Terceiro Mundo.
Moçambique, Tailândia e Brasil são países completamente diferentes, mas todos eles estão nessa categoria. Há um espectro enorme de pobreza (e riqueza), mesmo dentro de cada um desses países. Em termos materiais há pobres com casa própria, e ricos sem casa própria. Há ricos desempregados e pobres que trabalham todos os dias.
As pessoas pensam que o sonho de qualquer pessoa de um país em desenvolvimento é fugir, mas isso não é verdade. Há quem seja muito feliz aqui.
De longe parece que nós vivemos muito mal e que não temos qualidade de vida. Parece que o estilo de vida do Primeiro Mundo é a forma correcta de se viver e que nós queremos apenas mimicar isso.
Contudo, a verdade é que o Primeiro Mundo também não é perfeito. Nós sabemos que saindo daqui para viver num país dito desenvolvido não quer necessariamente dizer que os nossos problemas serão eliminados.
O que distingue o Primeiro e o Terceiro Mundo é a proximidade e atenção que se dá à Pobreza. No seu blog, Seth Godin, explica que são esses factores que estão na base desses conceitos.
Nós sabemos que em todos os países existe pobreza, embora no Primeiro Mundo esteja mais camuflada. Para além disso, ir para o Primeiro Mundo muitas vezes significa enfrentar racismo, choque cultural e afastamento da família, para além de todos os entraves institucionais (acesso a saúde; documentação; emprego; etc).
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Criminalização de sem-abrigo avança pela Europa. Fonte: Público
As pessoas chocam-se com a alegria e felicidade de pessoas do Terceiro Mundo, daí todo o sucesso da pornografia da pobreza. Mas não devia ser tão difícil assim entender que as pessoas podem ser felizes na sua realidade, mesmo se essa realidade parecer insuportável.
Muitos de nós adoram a vida que levam e acreditam que aquilo que fazem irá fortalecer e melhorar as condições de vida. Muitos de nós adoram a forma tradicional/ convencional de fazer as coisas, e isso vai desde algo tão simples como levar a loiça (que a maioria das pessoas faz manualmente) até algo maior como celebrar um casamento, em que incorporamos a cerimónia do lobolo.
Eu alegro-me ao saber que, apesar de os nossos hospitais e do sector de saúde como um todo estar cheio de insuficiências, todos os anos milhares de estudantes se candidatam ao curso de Medicina.  
Alegro-me ao perceber que, mesmo sem salas de aula ou carteiras, os professores todos os dias acordam para ensinar  o B-A-BÁ aos seus alunos. 
Alegro-me ao pensar que, mesmo sem dinheiro para comprar uma mochila ou cadernos para as crianças, os pais inscrevem os seus filhos na escola.
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Maputo é uma cidade viva e hospitaleira. Fonte: Alma de viajante
 
Existem muitas, muitas razões para ficar aqui. O sentido de pertença e de comunidade é muito forte, talvez mais forte que o descontentamento com a falta de escolhas.
Eu não trocaria a minha manga saborosa, suculenta, comprada na rua pela manga artificial e cheia de água, cortada e embalada, do supermercado. Não trocaria isso pelas ruas limpas e organizadas do Primeiro Mundo, porque as pessoas são mais impacientes, intolerantes e materialistas.

Apesar dos problemas de acesso à saúde; da escassez de boas opções de escolas; e das péssimas condições urbanas, de habitação e saneamento, eu adoro a vantagem de poder sorrir, abraçar e conversar com virtualmente qualquer pessoa, adoro a força e perseverança das pessoas ao meu redor e do sentimento de conquista global quando um único indivíduo se sai vitorioso.

A árdua tarefa de sofrer

Sobre a forma como usamos o sofrimento dos outros para nosso próprio prazer e criamos uma verdadeira indústria pornográfica em que exploramos as dores e lutas dos que mais precisam de nós.

A pornografia do sofrimento naturaliza as divergências económicas e sociais que vemos todos os dias através da perpetuação de mensagens codificadas que impõem a responsabilidade à pessoa oprimida.

Estas mensagens têm como objectivo libertar-nos do peso do nosso privilégio, atirando para a vítima todos os encargos para sair da sua situação.

Apelam sobretudo ao nosso sentimento de culpa, o pior sentimento de quem tem privilégios, pois evidencia aquilo que nós temos a mais, que conseguimos não por “mérito”, mas por um conjunto de acidentes felizes.

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Instagram Barbie Savior

Com algumas frequência nos cruzamos com imagens virais de pessoas, na sua maioria mulheres, de backgrounds variados fazendo as mais difíceis tarefas do seu dia-a-dia com bebés às costas, crianças de colo ou em outras situações nada favoráveis ao seu sucesso.

Apesar das condições, estas mulheres ultrapassam obstáculos e tentam levar a sua vida da melhor maneira possível, servindo de “ideal de sofredora”.

Usamos estas imagens como bons exemplos a seguir. Gostamos. Partilhamos. Comentamos. E sempre que ouvimos histórias similares nos lembramos “Ah! Não deve ser tão difícil assim, porque eu vi uma foto em que a fulana conseguiu!” ou então “Conheço alguém que passou por isso e muito mais e sobreviveu!”.

Pois é. As pessoas sobrevivem.

Bons sofredores sobrevivem. As pessoas aprendem a sobreviver. A superar. Mas as feridas dessas caminhadas difíceis não desaparecem. Elas existem e elas também merecem reconhecimento.

O sofrimento é algo real e nós nem sempre falamos sobre isso. Preferimos falar da felicidade, de superação e ignoramos as teias manhosas da pobreza e da depressão.

Caímos no erro de olhar para aquele sofrimento como a ordem natural das coisas, sem questionar a sua origem ou possível solução. Nos precipitamos a exibir a alpinista que escalou a montanha sem tentar entender como ela lá chegou ou sequer por que existe uma montanha.

Partilhamos o sofrimento dos outros e perguntamos aos sofredores “Por que é que o vosso sofrimento não é bonito como este? Por que razão vocês não sabem sofrer bem para a foto como esta pessoa? Por que é que o vosso sofrimento me deixa desconfortável?”

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Seremos viciados em Pornografia da Pobreza?

 

O mesmo acontece na Pobreza, quando vemos fotos das crianças com as barrigas inchadas a brincar alegremente no meio de toda a sua pobreza e falta de oportunidades. Olhamos para aquela cena e aplaudimos a coragem que as crianças têm de serem, de facto, crianças apesar do mundo triste que as rodeia.

E perpetuamos assim o ciclo de sofrimento, ou neste caso de pobreza, porque olhamos para casos isolados sem contextualizá-los devidamente. Encaramos aquele sofredor exemplar como a regra do jogo e apelamos aos restantes para que sofram assim:

Não basta sofrer, tem de sofrer de uma forma que não ofenda nem incomode. Sofrer de forma romântica, de preferência sem lágrimas. Chorar? Só se for mesmo necessário e nada de pedir ajuda!

Isso também faz parte da violência a que são expostos os que sofrem.

Usamos da sua vulnerabilidade para a nossa masturbação, ejaculando toda a nossa culpa e o nosso papel na conjuntura que cria essas disparidades nas nossas sociedades.

Os sofredores não precisam de ajuda ou apoio para sofrerem bem, precisam sim de mudanças estruturais que acabem com o seu sofrimento. De pessoas que usem dos seus privilégios para destruir essas montanhas. Para que não haja mais sofrimento.