Patrice Lumumba foi o primeiro político democraticamente eleito na República Democrática do Congo ao tornar-se Primeiro-Ministro. Apenas 81 dias depois de fazer História foi assassinado em circunstâncias duvidosas com o envolvimento da Bélgica.
Lumumba foi um dos fundadores do Movimento Nacional Congolês (MNC). Acreditava veemente na independência total e inalienável do Congo e na capacidade do povo congolês de gerir as suas infraestruturas, pessoas e sobretudo recursos.
Ao chegar ao poder, em 1960, Lumumba fez questão de se posicionar como um Pan-Africanista interessado em apoiar a luta pela auto-determinação de outras Nações Africanas. A sua inabalável determinação e carácter incorruptível tornaram-no num alvo a abater pelas forças ocidentais, que viram os seus interesses ameaçados.
Poucos meses depois das eleições, conflitos internos dividiram o Congo em três partes, governadas por líderes distintos (com aliados distintos) e rivais. A situação era insustentável e Patrice Lumumba pediu a intervenção da Organização das Nações Unidas, que nada fez senão olhar de longe o declínio de um Congo próspero, como prova da incompetência dos Africanos de se auto-governarem.
A 17 de Janeiro de 1961, aos 35 anos, depois de ter sido preso e sujeito a tortura, Lumumba foi morto a tiros com o conhecimento dos EUA e apoio da Bélgica. O seu corpo sem vida foi ainda esquartejado e queimado com ácido, de forma a eliminar quaisquer provas do crime.

A sua trágica morte é considerada por muitos historiadores como o mais importante assassinato do séc. XX, tendo em conta a importância que teria para o futuro do Congo e para descolonização/ democratização de África nos anos posteriores, bem como para o desenrolar da Guerra Fria e desenvolvimento de armas nucleares.
Hoje, em 2016, assistimos a mais uma edição do Euro: a maior festa de futebol da Europa. Este ano em França como foi também em 1960, na primeira edição.
O que é que a História do revolucionário congolês tem a ver com o maior espectáculo de futebol da Europa?
Curiosamente, o Euro tem uma longa história de protestos de motivação política.
Na primeira edição do campeonato, a Inglaterra, a Itália, a Alemanha Ocidental e os Países Baixos retiraram-se da competição por se oporem à participação da União Soviética. A Espanha abandonou nos quartos de final, também por não acreditar numa festa Pan-Europeia com a URSS, que, by the way, levou a taça para casa.
Na edição seguinte, a Grécia abandonou ao ter de jogar contra a Albânia, com quem ainda estava em guerra. E mais uma vez, a Alemanha Ocidental recusou-se a participar.
Já em 1992 a Jugoslávia foi impedida de jogar pela própria UEFA por estar a passar por uma guerra civil.
Não é estranho todas estas Nações se terem calado face às atrocidades que aconteciam em África?
Ironicamente, e como era de se esperar, à medida que as ex-colónias atravessaram momentos de tensão e conflito, a Europa recebia cada vez mais emigrantes africanos.
Mesmo depois de pegarem em armas para se livrarem do domínio belga no seu território, os Congoleses viram-se obrigados a pedir socorro à Bélgica depois da morte de Lumumba.
Com o tempo, uma nova classe de Africanos emergiu, mais consciente e preparada. Talvez até talentosa, tal como sonhava Lumumba, mas longe de África. Na Europa.
E hoje vemos no relvado do Euro a herança do (des)colonialismo em África.
A selecção da Bélgica, destaca-se por ser das que mais descendentes africanos tem na sua equipa: um total de 6, sendo 5 do Congo e 1 do Senegal (colónia francesa).

E por falar em França, a sua selecção tem 9 descendentes de imigrantes africanos. Na sua maioria de países francófonos, como Senegal e Mali.
Em Portugal também há traços desse fracasso nos processo de democratização das suas ex-colónias. E foi esse fracasso que ajudou na manutenção da dependência entre colono e colonizado.
A manutenção de uma relação doentia baseada num sentido de inferioridade reforçado vezes sem conta para sustentar o status quo. Nas palavras de Lumumba: “Nós sabemos os objectivos do Ocidente. Ontem eles dividiram-nos baseando-se na tribo, no clã e na vila. Hoje, com a África a libertar-se, eles querem dividir-nos com base em Estados (…) para perpetuar o seu domínio.”
Por isso um Congolês nunca amará mais Portugal que a Bélgica. Um Moçambicano nunca desejará ser mais do Reino Unido que de Portugal. E um Ganês nunca vai admirar mais a Bélgica que o Reino Unido. E por aí adiante.
Somos reféns do nosso opressor e da nossa opressão.
Bom texto…
Parabéns
Muito obrigada. Estas reflexões são importantes para o progresso de África. Pode parecer trivial o futebol, mas em todas as áreas vemos descendentes de africanos a destacarem-se usando a camisola de um país europeu.
texto muito bom, irmã. continua.
Muito obrigada. Fico feliz pelas minhas palavras terem encontrado quem as ouvisse.