O dia 8 de Março pode já ter passado, mas isso não quer dizer que as celebrações acabaram.
Seguindo a necessidade de não só celebrar, mas também chorar pelas coisas ainda por conquistas, hoje gostaria de trazer algumas mulheres cujos nomes e histórias infelizmente não são muito conhecidos.
Na esperança que os seus percursos, inspirem novas gerações e aproveitando que os seus aniversários são em Março, seguem abaixo algumas linhas sobre elas.
Aida dos Santos (1 de Março)
Foi a primeira mulher brasileira numa final olímpica. Competiu nos Jogos de Tóquio de 1964, em que terminou em 4o lugar o salto em altura, mesmo sem uniforme, sem técnico, sem médico e sem sapatilhas de prego.
De regresso ao Brasil, por ter denunciado a falta de condições em que competiu, foi afastada da alta competição. No entanto, conseguiu formar-se e educar os seus filhos.
A atleta não teve apoio do seu país. Fonte: O Globo
Miriam Makeba (4 de Março)
Conhecida por ‘Mama Afrika’, Miriam Makeba foi uma cantora e activista sul africana. Em 1960, depois de participar do documentário ‘Come Back, Africa’ que denunciava o regime do apartheid, foi obrigada a viver no exílio.
Viveu nos EUA, mas também viu-se obrigada a partir, devido ao seu envolvimento com o movimento dos Panteras Negras e as campanhas anti-racistas nos EUA.
Teve as suas obras banidas e a sua nacionalidade cassada e apenas em 1990, com o fim do apartheid é que regressa à sua terra natal.
Lupita Nyong’o (1 de Março)
Filha de emigrantes quenianos, Lupita nasceu no México e formou-se nos EUA.
No seu trabalho como atriz, destacou-se com a personagem Patsey no filme “Twelve Years a Slave” (Doze Anos Escravo) de Steve McQueen, baseado na história verídica de Solomon Northup, um homem afro-americano livre que foi vendido e escravizado. Pela sua performance ganhou o Óscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2013. Foi a primeira queniana a ganhar esse título.
O seu mais recente trabalho no cinema, Black Panther, já é um recorde de vendas.
Ana Fidelia Quirot (23 de Março)
Ana Fidelia Quirot é uma atleta cubana, considerada uma das melhores atletas femininas dos 800m de todos os tempos. Ela é uma de seis atletas que conseguiram correr 800 m em menos de 1:55. O seu recorde é de 1:54:44, conseguido em 1989.
Em 1993, Ana Fidelia sofreu queimaduras graves, como resultado de um acidente doméstico. E passou por um momento depressivo que a afastou do desporto por um tempo, contudo, conseguiu superar e competir em nos Jogos Olímpicos de 1996 em que levou a medalha de prata.
Recentemente a autora nigeriana Chimamanda Adichie levantou polémica ao comentar os privilégios de mulheres trans.
A escritora nigeriana Chimamanda Adichie, autora de Americanah nos últimos cinco anos tem vindo a destacar-se pela forma peculiar como conta a experiência de emigrante africana e de mulher negra no mundo, abordando temas como o feminismo, racismo e africanidade entre outros.
Para quem vive da fama há a exigência de se ser um cidadão exemplar, sempre bem informado e capaz de guiar as massas na direcção certa. Ser fã passou a ser religião. Há uma verdadeira adoração das figuras mais famosas da cultura pop.
Muitos artistas de facto usam do espaço que têm para chamar a atenção a temas importantes e envolvem-se até em campanhas eleitorais.
Vejamos por exemplo Beyoncé, ao longo dos anos ela tem vindo a dar mais do que simples entretenimento, através do seu trabalho ela procura dar mais voz às mulheres e ao movimento negro nos E.U.A.
Beyonce tem vindo a mostrar mais o seu lado activista – Fonte: The Huffington Post
Numa entrevista recente Adichie, ao comentar a experiência de pessoa transgénero fez uma leitura demasiado biológica, partindo de uma clara falta de conhecimento sobre o assunto.
Segundo ela, mulheres transgénero e mulheres cisgénero não devem ser olhadas como uma só. Até aí tudo bem, pois existem especificidades que dizem respeito a apenas um grupo.
A polémica vem por ela afirmar que uma mulher cis, isto é, uma mulher que nasceu biologicamente com um corpo identificado como feminino, cresceu com menos privilégios que uma mulher trans, uma mulher que nasceu biologicamente com um corpo identificado como masculino.
Para a autora as mulheres trans em algum momento usufruem do espaço concedido aos homens cisgénero.
“(…) I don’t think it’s a good thing to talk about women’s issues being exactly the same as the issues of trans women, because I don’t think that’s true./ Eu não acho um boa ideia falar das questões de mulheres como sendo exactamente as mesmas que mulheres transgénero, porque eu não acho que isso seja verdade.” – Chimamanda Adichie
Sim, ela errou. Ela falou de algo sem entender a complexidade da vida de uma mulher transgénero. Falou de forma equivocada sem antes fazer o trabalho de casa, assumindo até que a expressão “mulher” não inclui a própria mulher trans.
Mas o que mais me surpreendeu foi ler as críticas e julgamentos feitos à pessoa e não ao que a pessoa disse. Houve uma tentativa de desqualificação intelectual, como se tudo o que ela tivesse dito, escrito, feito até à data fosse irrelevante face às suas palavras.
Acredito que podemos aproveitar a oportunidade para ter um debate alargado sobre a vida de mulheres trans. Uma oportunidade para perceber como essa realidade é vivida na Nigéria, de onde vem Chimamanda, e em Moçambique, por exemplo, no Brasil, nos E.U.A, em Portugal, etc.
Quem são as mulheres trans? De onde vêm? Onde estão elas?
Laverne Cox, mulher trans norte americana famosa pelo seu trabalho como atriz em “Orange Is The New Black” partiu do comentário de Adichie para reflectir sobre a sua vivência e os seus privilégios.
Segundo ela, na sua infância ela nunca pôde de facto aceder aos privilégios concedidos aos meninos por ter sido sempre demasiado afeminada, de modo que o seu comportamento era constantemente policiado por todos à sua volta.
“There’s no universal experience of gender, of womanhood. / Não existe uma experiência universal de género, de feminilidade.” – Laverne Cox
Acredito que é necessário nos aprofundarmos sobre as diferentes realidades dentro do(s) género(s) em questão.
Tal como existe uma diferença entre nascermos e sermos reconhecidas como mulheres cis negras, também existe uma diferença na forma como as mulheres cis brancas nascem e são reconhecidas. Ou seja, mesmo dentro do grupo de mulheres cis existem experiências variadas marcadas por raça, condição social e mesmo local.
Então não deve ser tão difícil assim conceber um mundo em que as mulheres cis e as mulheres trans tenham experiências diferentes, tal como Chimamanda defende. No entanto essas diferenças vão para além da biologia e englobam factores sociológicos.
Laverne Cox sonha com a abolição do sistema binário – Fonte: Twitter Laverne Cox
Vivemos em tempos em que facilmente se parte para a idolatração de certas figuras, como se de verdadeiros Deuses se tratassem, incapazes de cometer erros ou ter ideias pouco populares.
Rapidamente, quando os nossos Deuses nos decepcionam deslegitimizamos todo o trabalho feito ou por fazer.
Tal como Beyonce é muitas vezes questionada e criticada por não se declarar feminista ou por supostamente usar-se do feminismo para lucrar, chegou a vez de Chimamanda Adichie também ter esse banho de pedras.
Um outro ponto relevante é a nossa própria humildade e o reconhecimento do direito ao erro do outro. Não existe perfeição. Todos nós somos criados dentro de uma sociedade com determinados valores e ideais que inevitavelmente moldam a forma como olhamos o mundo, daí não existir um activista perfeito, que sabe tudo e faz tudo bem.
Que possamos aprender com esses erros para nos aprofundarmos sobre assuntos variados dentro dos vários movimentos sociais com os quais nos identificamos.
O grande desafio que temos não é o de os nossos Deuses errarem, mas sim a nossa incapacidade de usar tais erros como catapultas para debates importantes que precisamos de ter enquanto sociedade.
Na semana do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, lembro-me do legado deixado pelas mulheres enteadas da História.
O dia 8 de Março é celebrado por todo o mundo como uma ocasião para lembrar o porquê das mulheres existirem e a sua importância na vida quotidiana. A data está ligada ao movimento sufragista do séc. XIX e ao movimento operário feminino do séc XX.
Por estas alturas no Ocidente se a mulher branca, de classe alta se sentia oprimida, a cidadania plena da mulher negra era virtualmente inexistente. Em larga escala o papel da mulher negra ainda era de servidão: fosse num sentido micro, como escrava doméstica ou num sentido mais amplo, na medida em que viva sobre o domínio do colonialismo europeu.
Não obstante, várias mulheres negras quebraram essas barreiras e fizeram as suas contribuições para o fim do sexismo e do racismo no mundo.
Huda Shaarawi
Fundadora do Sindicato Feminista Egípcio e do Sindicato Feminista Árabe, Huda Shaawari foi uma líder feminista egípcia.
Ainda jovem Shaawari abriu uma escola para educar outras meninas a escrever e ler com várias línguas, como ela tivera oportunidade de aprender, e a adquirir competências para além daquilo que era permitido às meninas na época.
Depois da morte do seu esposo, ela optou por abandonar o uso do véu, algo que causou choque e descontentamento na sociedade. Mas este simples acto iniciou um verdadeiro movimento.
O seu activismo também esteve ligado com o movimento nacionalista egípcio contra a ocupação britânica.
Funmilayo Ransome Kuti
Não haverá lista sobre mulheres africanas importantes contemporâneas sem o nome de Funmilayo Ransome Kuti da Nigéria. Depois de ser criada no regime britânico, Funmilayo foi estudar em Londres, de onde regressou com mais vontade e motivação para retornar às suas raízes tendo abandonado por completo o seu nome inglês.
Fundou o Sindicato de Mulheres de Abeokuta em 1944, juntando donas de casa, académicas, comerciantes e pequenas empreendedoras para a defesa dos direitos políticos, sociais e económicos das mulheres. Este grupo chegou a ter perto de 20 000 membros a trabalhar activamente para a defesa dos seus direitos. O seu maior feito – para além claro de ser mãe de Fela Kuti – foi ter conseguido através do trabalho do sindicato a demissão do rei Ladapo Ademola II.
Yaa Asantewaa
Nas artes da guerra – e do amor – os africanos, ao contrário do que se aprende na escola, já tinham técnicas e estratégias mesmo antes dos europeus invadirem as suas fronteiras.
A rainha Yaa Asantewaa do povo Edweso de Ashanti (actual Gana) foi uma monarca que no início do séc. XX liderou um exercito de 5000 soldados contra as forças coloniais britânicas de modo a conseguir a independência da região.
Apesar da derrota, a coragem e liderança da rainha levaram a um movimento forte do seu povo contra as forças coloniais. Até hoje vários monumentos são erguidos em sua homenagem e ela permanece como uma figura importante da luta de libertação do Gana, o primeiro país africano a ter a sua independência.
Nehanda Nyakasikana
As superstições e a espiritualidade são elementos fortes da identidade africana. A base do pensamento espiritual e até mesmo da religião parte desse entendimento do mundo como algo holístico – físico e sobrenatural.
A figura de Nehanda Nyakasikana representa o casamento desses dois mundos. Ela foi uma líder espiritual e médica tradicional da Rodésia (actual Zimbabué) que teve um papel central na primeira guerra de libertação contra as forças coloniais britânicas entre 1896-1897.
Ao seu capturada pelos seus inimigas, ela profetizou que o seu espírito iria liderar uma segunda guerra de libertação. E foi nesta segunda guerra de libertação que o Zimbabué se tornou independente. O seu nome é o símbolo da força das crenças tradicionais africanas.
Wangari Maathai
Vencedora do primeiro Prémio Nobel da Paz dado a uma mulher africana, Wangari Maathai foi galardoada pelo seu empenho como activista ambiental.
Fundadora do Movimento do Cinturão Verde em 1977, a queniana encorajou o envolvimento de mulheres no combate à desflorestação e lutou para proteger o direito à terra. Consciente de que o problema do ambiente envolvia questões de paz e direitos humanos, ela começou por combater o abuso de poder e as licenças de terra ilegais.
Mesmo com poucos recursos, pouco apoio e uma forte oposição, ela conseguiu gerar impacto através das alianças com organizações não-governamentais a nível regional e internacional.
No total já são mais de 50 milhões de árvores plantadas e milhares de famílias protegidas como resultado do seu trabalho.
Todas estas mulheres de alguma forma foram negadas pela História. Seja pela sua condição social, pelo que fizeram, por onde vêm mas sobretudo pelo que representam.
Representam possibilidades que uma sociedade patriarcal e racista não pode aceitar. Representam oportunidades da quebra de papéis de género e de raça. Põem em causa tudo aquilo que nos querem fazer acreditar que nós mulheres não podemos ser nem fazer.