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O que é que eu vou fazer com essa tal Liberdade?

Yaa Gyasi pelo Povo Negro
O livro “Homegoing” de Yaa Gyasi é um manifesto gritante pela vivência, coragem e preserverança do povo negro.
Não sei exactamente se podemos falar de um “povo negro”, mas o livro de Yaa Gyasi faz um argumento bem interessante sobre essa experiência de trauma, conflito e esperança partilhada que as pessoas negras de todo o mundo têm entre si.
Há livros que terminamos de ler e olhamos para o tecto, com o coração cheio e a certeza que levará muito tempo até lermos um livro tão bom novamente. Homegoing é tudo isso e muito mais!
O livro atravessa séculos e continentes seguindo sete gerações da mesma família.
Tudo começa com duas irmãs, separadas por um grande incêndio e criadas por comunidades distintas – uma pelos Fante e outra pelos Asante – que desconhecem a existência uma da outra e seguem as suas vidas separadas.
Effia casa-se com um oficial britânico, que vive do comércio de africanos escravizados no Castelo da Costa do Cabo e, Esi que é capturada e levada para a masmorra desse mesmo castelo e eventualmente traficada para os Estados Unidos da América, onde é escravizada.

A narrativa segue por ordem cronológica os encontros e desencontros das ramificações dessa família. O fogo, uma presença constante ao longo da história, representa todos os traumas, sacrifícios, dores e alegrias que atravessam os descendentes das duas irmãs.
Em cada capítulo conhecemos um novo rosto, numa nova época, e com isso as mudanças sociais, económicas e culturais tanto no Gana como nos Estados Unidos da América: a escravatura; o colonialismo; o racismo; etc.
“The family is like the forest: if you are outside it is dense; if you are inside you see that each tree has its own position./ A família é como uma floresta: se você está do lado de fore é densa; se você está do lado de dentro, você vê cada árvore na sua própria posição”
A história força-nos a olhar para nós mesmos e para o nosso papel na teia de relações em que estamos inseridos, tanto no tempo como no espaço.
Que segredos e traumas carregamos no nosso DNA? O que teria sido de mim se fosse eu nesse lugar?
Pelo olhar dos personagens, fica evidente como o legado da escravatura e do colonialismo, ditam o decorrer da vida, tanto do lado dos que foram para as Américas, como para aqueles que ficaram em África.
Primeiro as guerras tribais no Gana pré-colonial, no séc. XVIII, os horrores da ocupação britânica e do comércio de africanos escravizados; a promiscuidade entre os líderes ganenses e os britânicos no tráfico de humanos para alimentar a escravatura até à libertação do Gana.
Depois, o sofrimento e dor desses africanos traficados nos Estados Unidos da América, longe daquilo que és é familiar e despidos de toda a dignidade. A fuga, o medo e as perseguições nos anos pré e pós Guerra Civil Americana. O racismo e todos os riscos aliados à vida nos subúrbios das grandes cidades.
Tudo isto tendo o povo negro no centro de todos estes acontecimentos.

Não há dúvidas que a obra envolveu um trabalho árduo de investigação, mas mais do que isso, que obrigou a autora, de origem ganesa, a confrontar-se com os seus próprios fogos, a sua própria origem.
Yaa Gyasi consegue guiar-nos nessa viagem de forma confortável, com as descrições fiéis ao mínimo detalhe, levando-nos à África Ocidental do séc. XVII, ao Sul dos E.U.A. no séc XIV e ao bairro de Harlem no séc. XX, terminando novamente no Gana, mas desta vez no séc. XXI.
“Every moment has a precedent and comes from this other moment, that comes from this other moment, that comes from this other moment./ Cada momento tem um precedente que vem de um outro momento, que vem de um outro momento, que vem de um outro momento.” – Yaa Gyasi
É de aplaudir a ambição de Yaa Gyasi, em re-imaginar os processos históricos e as escolhas de cada indivíduo, de cada árvore, que por sua vez, desencadeia outras reacções e como essas escolhas influenciam toda a comunidade, toda a floresta.
Ela junta-se a Chimamanda Adichie e a outras autoras africanas contemporâneas que fazem uso da História, da tradição oral africana e das vivências reais de pessoas negras para dar protagonismo a estas figuras.
A riqueza, cor e textura das suas palavras tornam esta saga familiar numa experiência universal, de busca por auto-conhecimento, por respostas e sobretudo, por origens. Só podemos evoluir, como indivíduos e como comunidade, se soubermos de onde viemos.
Por que importam as políticas afirmativas?
Recentemente nos Estados Unidos da América tem havido um debate sobre políticas afirmativas no que toca às admissões em Universidades, que de alguma forma podem estar a prejudicar os cidadãos americanos descendentes de asiáticos.
No centro do debate está a questão da necessidade de tais políticas e dos beneficiários.
Mas afinal de contas, o que são políticas afirmativas?
As políticas afirmativas são mecanismos usados para promover a inclusão e/ou protecção de um determinado grupo social que de outra forma, seria excluído e/ou privado de exercer um determinado direito. Geralmente as políticas afirmativas são direcionadas a afrodescendentes; mulheres; homossexuais, idosos; portadores de deficiência; etc.
Estes grupos são tratados de forma desigual em diversos sectores, e por isso as políticas afirmativas visam reparar essas disparidades de modo a criar condições para, a longo prazo, não ser preciso reafirmar os seus direitos.
Numa sociedade desigual em que há disparidades entre os diferentes grupos não podemos ignorar que a Constituição por si só é insuficiente para proteger todos os cidadãos.
Bem sabemos que há grupos distintos que sofrem violências diárias e não são protegidos pela Lei, e por isso é preciso criar outras leis para protegê-los e colocá-los em pé de igualdade com os restantes grupos sociais.

Por exemplo, em 1984 a União Europeia incentivou a inclusão e participação das mulheres no mercado de trabalho, em todos os sectores profissionais e em todos os níveis de liderança.
Desde então todos os Estados Membros têm criado mecanismos não só para encorajar a participação das mulheres, tais como por exemplo premiar empresas, como também para aproximar os salários de homens e mulheres.
A Índia, por sua vez, na primeira metade do séc. XX, aquando da sua independência introduziu um sistema de quotas para garantir acesso a empregos públicos e vagas em universidades a castas desprivilegiadas.
Este ano foi eleito um presidente Dalit, com 65% dos votos, Ram Nath Kovind, que segundo a cultura indiana é a casta mais inferior, dos ‘intocáveis’.
Implementar políticas afirmativas é negar o princípio de igualdade?
Não, pelo contrário, é admitirmos que existem sim desigualdades e ignorar essas diferenças na nossa sociedade seria admitirmos a nossa cumplicidade com a perpetuação dos modelos actuais.
Se não encararmos a realidade corremos o risco de assistir, tal como aconteceu em séculos passados e começa agora a reaparecer, a manifestações explícitas de intolerância e preconceito. Estas manifestações são levadas a cabo sobretudo por grupos privilegiados que pretendem manter o status quo, deixando os grupos marginalizados aquém do seu potencial de desenvolvimento.
Por outro lado, há que reconhecer a necessidade de oferecer equidade.
Cada cidadão cresce e se desenvolve num determinado grupo, onde tem acesso a certas oportunidades. Um cidadão que é educado em escolas privadas, nas férias viaja para o exterior; tira cursos de inglês na infância; tem acesso a computadores e internet, já tem uma vantagem na Universidade quando comparado a um cidadão que sempre estudou em escolas públicas, com pouco acesso a outras realidades ou línguas.
Por isso as políticas afirmativas procuram compensar essas circunstâncias que afectam aqueles em desvantagem, criando mais equidade.

Por exemplo, um pouco por todo o mundo há que aceitar que existem grupos sistematicamente excluídos do mercado de trabalho, como é o caso dos portadores de deficiência física.
Quando foi a última vez que você viu uma professora com deficiência física? Quantas médicas você conhece que sejam portadores de uma deficiência física?
Talvez se houvesse uma política de afirmação que garantisse a este grupo o acesso a educação superior e/ou o acesso ao emprego, poderíamos ver estas pessoas a ocupar tais postos.
Finalizando, a razão de existir das políticas afirmativas é aumentar as oportunidades para cidadãos historicamente discriminados. As políticas servem para equiparar todos os cidadãos, de forma a assegurar uma vida digna a todos.