Todos os dias tem ouvimos e vivemos histórias de assédio, no entanto nada muda. Até quando?
Esta semana um caso insólito ocorreu no Brasil, na cidade de São Paulo dentro de uma viatura de transporte público. Um homem ejaculou em cima de uma passageira, e foi apanhado em flagrante e levado pela Polícia.
O que mais de admirou na história, não foi o seu desfecho (o agressor já está em liberdade), mas sim como a sociedade encara tais acontecimentos como normais.
Há alguns meses, a Énia, uma amiga passou por algo semelhante aqui em Maputo. Viajando num chapa apertado, um homem encostado a si, roçou-se no seu corpo e ejaculou para a sua roupa sem que ela tenha reparado ou alguém tenha feito algo para detê-lo.
Ao quebrar o silêncio, começando pelas pessoas mais próximas, surpreendeu-se pelas respostas que ouviu “Como pode isso acontecer sem tu notares?”; “Que roupa usavas quando isso aconteceu?”; “Porque não foste à esquadra naquele momento?”, enfim. Ela, a vítima, apontada como também culpada.

Devido à natureza das nossas cidades, em que as zonas circundantes às cidades são sobrepovoadas e os centros das cidades são os locais de trabalho, estudo e negócios, é normal nos horários de ponta haver enchentes para os transportes públicos.
Isto, quando aliado à falta de transportes cria um terreno fértil para os operadores excederem livremente a lotação dos seus carros, facilitando situações de assédio entre os passageiros: carros muito cheios; pessoas ensardinhadas; falta de segurança; etc.
Por outro lado, facilita também o assédio por parte dos motoristas e cobradores. Muitos usam-se disso para atrair vítimas, oferecendo pequenos privilégios, como por exemplo o lugar do co-piloto (ao lado do motorista). É só vermos como nesses horários viajam adolescentes, meninas a ir ou vir da escola. Em troca dessa oferta, as mulheres têm de dar o seu contacto, ceder favores sexuais ou pelo menos ‘entreter’ o motorista, correspondendo às suas conversas.

Ou seja, para além das péssimas condições do transporte público (muitas vezes expostas ao Sol e/ou Chuva; sem segurança), as mulheres têm ainda de escolher entre aguardar em filas intermináveis, serem assediadas ou realizar actos sexuais.
No fundo o que aconteceu com a Énia e acontece com todas nós, não se difere daquilo que acontece nas praças públicas.
Diariamente somos bombardeadas com assobios, comentários, palavrões ou olhares ameaçadores. Este tipo de assédio muitas vezes vem disfarçado de elogio, como forma de querer dar um sentimento de culpa a nós mulheres, obrigando-nos a responder.
Seja um homem da classe operária ou um grande empresário; seja pobre ou rico; branco ou preto; todos eles nos impedem de exercer o nosso direito de ir e vir pacificamente.
Só que enquanto na praça pública temos ainda algum espaço para nos afastarmos, no transporte público já não existe essa separação. Somos forçadas a andar apertadas com os agressores, expostas aos seus abusos.

Mas ao passo que estas são formas talvez mais subtis e discretas de assédio, há outras mais violentas que mesmo assim passam impunes e às vezes até com aplausos de quem as assiste.
Uma forma comum de assédio, que acontece sobretudo em mercados ou terminais de grande enchente como por exemplo Xipamanine, Xiquelene e Benfica é levada a cabo por vendedores ambulantes ou controladores de carros, que atacam mulheres que se vestem de uma forma por eles reprovada.
Geralmente acontece com mulheres que usam decotes ou usam saias muito acima do joelho, que ao chamarem a atenção, têm as suas roupas rasgadas, o seu corpo todo apalpado e ainda são insultadas.
Os agressores – e seus cúmplices- alegam que essas mulheres pedem isso devido aos seus trajes que vão contra os valores da sociedade, no entanto, eles acham-se no direito de atacar violentamente uma pessoa livre de usar o que quer.
Muitas pessoas só assistem, e com sorte, na melhor das hipóteses alguém aparece a oferecer uma capulana para a vítima se cobrir. Contudo, a maioria desses casos nem sequer chega à esquadra.
Culpar a vítima é apenas uma forma de legitimar os crimes cometidos pelos agressores, são justificações que implicitamente nos mostram como a nossa sociedade relativiza os actos cometidos por homens adultos e conscientes.
O problema está na forma como construimos a noção de masculinidade, ligando-a à força e violência. O problema está na forma como deixamos os nossos meninos, jovens, homens crescerem e sentirem-se intitulados a ocupar todo e qualquer espaço, mesmo se for o espaço pessoal de alguém. Mesmo se for o corpo de alguém. Especialmente se for o corpo de uma mulher.
Começa com um olhar; uma piada; um comentário e quando damos por nós temos os nossos homens a invadir, violar, abusar dos nossos corpos diariamente.