Ouvi dizer que havia uma Livraria na Associação de Escritores Moçambicanos, então fui lá espreitar.
Sucedeu-se que esteve cá em casa uma simpática hóspede brasileira que queria muito o livro ‘Niketche‘ de Paulina Chiziane. Sentada na parte mais badalada da AEMO, o bar, ouviu falar de uma livraria localizada na parte interior do edifício principal, mas infelizmente não conseguiu ir lá antes da sua partida.
Como a boa anfitriã que sou, ficou a promessa em como lá voltaria e mobilizaria esforços para que o livro chegasse ao Rio de Janeiro, local onde ela reside.
Ora bem, o que não lhe disse foi que nunca tinha ouvido falar de tal livraria e que duvidava que houvesse de facto uma livraria dentro da AEMO. Afinal de contas, se houvesse eu saberia, certo? Certo. Errado. Eu não sei tudo. Mas sei que não se pode discutir assuntos “de casa” com as visitas, por isso calei-me. Fiquei-me pela promessa.
Então numa bela manhã, dessas em que o sol parece estar especialmente atento ao que se passa em Maputo, acordei e lá fui.
O que aconteceu entre a minha entrada e a minha saída da AEMO só pode ser classificado como um verdadeiro exorcismo, tamanho foi o cansaço e desgaste que senti após aquela visita.
Não podia prever que, por detrás, daquela imagem do edifício belo e simpático, rodeado de um verde jardim que convida a entrar, escondia-se uma mansão sombria e assombrada.
– Bom dia, tem livraria?
-Livraria?
-Sim, livraria. Queria ver um livro.
Senti-me mesmo num filme de terror. Seria a palavra “livraria” um código para desvendar algum mistério? Seria a livraria um lugar de cultos obscuros proibidos?
-Está bem. Aguarde.
Enquanto esperava, de pé, observei aquele pequeno espaço onde me tinham abandonado. À minha direita tinha uma porta para uma sala e à frente um estreito e escuro corredor. As paredes à minha volta tinham algumas fotos a preto e branco legendadas com nomes e datas.
Tirando o televisor enorme colado à parede, tudo ali era Passado. Memórias. Notei um vazio enorme preenchido apenas pelo pó colado em tudo: nas paredes, nos móveis e até mesmo nas pessoas.
A passos lentos e arrastados vem um senhor, pelo corredor, e acompanha-me até uma sala onde uma colega está a trabalhar. Em cima das secretárias vejo montes de cadernos, cadernetas e aquilo que pareciam ser actas, cartas e outros defectos da actividade burocrática. Num canto um amontoado de não mais de 20 livros me é apresentado:
-Pode ver esses aí. Mas está à procura de quê?
Ah, afinal isto é que é a “livraria”! – pensei comigo mesma.
– Só quero ver. Estou à procura de um presente para alguém.
Quando aquela pilha de livros acabou, a colega tirou de uma gaveta outros tantos livros.
-Também tenho estes aqui. Pode procurar à vontade.
Desencantada e impressionada, começo a folhear os cerca de 30 livros adicionais. O teimoso pó, grudava nos meus dedos a passos largos. À medida que eu ia mexendo naqueles livros, o pó invadia-me e o meu corpo, resistia.
Atchim!
A cada espirro uma parte de mim saía desesperada.
Atchim!!
Onde foram parar os nossos livros?
Atchim!!!
Não tem nenhuma obra de Paulina Chiziane?
Atchim!!!!
Por acaso tem algum livro de Lília Momplé?
Atchim!!!!!
Atchim!!!!!!
Alguns livros falam comigo. Eles querem se livrar do pó e abandonar a gaveta moribunda que habitam. Decido então resgatá-los, mas reparo que não têm preço marcado. Pergunto. Informam-me. Desconfio. Mas aceito levar e tiro da minha carteira um cartão do banco, assinalando a minha decisão final.
-Só aceitamos dinheiro.
Peço desculpas aos livros. Não os posso levar. Não assim. Não nestas condições. Num outro dia talvez.
E assim, tão rápido e precoce acabaram-se os livros. Ou melhor, acabou-se a livraria.
-Está bem. Fica para a próxima. Obrigada.
Os mesmos passos lentos e arrastados acompanham-me de volta à entrada. Pelo caminho reparo na porta daquilo que parece ser a Biblioteca. É uma sala triste, escura e está trancada. As suas frágeis portas de vidro seguram os sonhos lá esquecidos e abandonados.
São esses sonhos empoeirados, esses fantasmas do que poderia ter sido, que habitam aquele espaço inerte e apoderam-se das paredes, dos móveis e até mesmo das pessoas.
Atchim!
Cansada, saio daquele lugar e deixo-me banhar pelos raios de Sol.
Um dia volto com um espanador.
Esta crónica deixou-me profundamente deprimido! Ao longo de anos, temi que alguém, um dia , a escrevesse! Mas ano apos ano ia-me sentindo aliviado, ao dar-me conta de que ninguém a escrevia! Mas eu sempre senti que ela existia, no ar… à espera que alguém a assinasse: sim, era apenas uma questão de alguém lhe assumir a autoria, pois ela já ali estava escrita, revista e pronta para ser publicada, desde que alguém a assinasse! A autora não o diz- talvez porque, no meio de tanta poera, não se tenha apercebido do facto: entre esse amontado de publicações esquecias, consta o
“Terra no Alambique”, minha obra de estreia em publicações de ficção! E o pior: quem assinou esta cronica lúgubre é a….minha própria filha!
Socorro, AEMO!