Lynsey Sharp, que terminou em sexto lugar na corrida dos 800m femininos foi a primeira atleta a contestar a participação de Semeneya na corrida, afirmando que era uma desvantagem correr contra ela.
Sharp, com todo o seu privilégio de menina branca, nascida e criada na Escócia, filha de um medalhista olímpico, treinada nas melhores Academias, tem a audácia de atribuir a sua sexta posição, ao facto de competir contra Mokgadi Semeneya.
Semeneya, que vem de uma isolada vila na África do Sul, país onde até 1994 os negros nem sequer tinham direito ao voto, para não falar em oportunidades de crescimento pessoal e profissional, teve de enfrentar mais dificuldades para chegar ao pódio.
Insatisfeita com a sua performance, Sharp desmereceu até todo o investimento feito pelo seu país para o Atletismo.
Atenção que Semeneya não foi acusada de doping, mas sim de ter uma vantagem natural e injusta devido ao seu corpo.
Lynsey Sharp, que não fosse por Semeneya- vale a pena ressalvar- teria ainda assim terminado atrás de quatro outras pessoas, ou seja, não chegaria ao pódio, sentiu-se no lugar de questionar a presença de Caster Semeneya na competição.
Jarmila Kratochvílová, a actual recordista dos 800m femininos, da República Checa não só tem um físico mais “masculino” que Semeneya, como também já foi acusada de doping, sem nunca no entanto ter sido alvo de exames ou escrutínio por parte do COI ou IAAF.
Os ataques sofridos por Caster Semeneya evidenciam o racismo ainda muito vivo no desporto até no mais alto nível.
Essa vantagem sobrenatural, prende-se, logicamente com o seu corpo e alegações de hiperandrogenismo.
Mulheres negras são tidas como uma espécie sub-humana. Devido à exotificação e hipersexualização do seu corpo, há a expectativa que a Mulher Negra tenha um comportamento semi-animal.
O padrão de Mulher dominante define a Mulher Ideal como branca, cisgénero e heterossexual. De tamanho pequeno, com aspecto frágil e dócil.
É difícil para qualquer mulher viver à altura desses padrões e para uma mulher negra essa luta é ainda pior. Os nossos traços robustos; os nossos ombros e braços largos; as nossas pernas tipicamente grossas; tudo isto apresenta uma inconformidade aos critérios do Imperialismo Branco.
Porque o corpo de Semeneya não corresponde às expectativas do corpo de uma mulher – e leia-se aqui, de uma mulher branca- isso de alguma forma a coloca numa posição em que ela deveria correr contra homens.
A suposição em como o seu corpo, por ter aspectos considerados masculinos, ou na melhor das hipóteses, andróginos, darem-lhe uma vantagem injusta não só reforça a ideia que ela não é mulher, como também, desvaloriza as mulheres, visto que suporta a visão da supremacia da força e corpo masculinos.

Os nossos corpos vivem à margem daquilo que se considera “Mulher”. Os nossos corpos sequer se podem intitular “femininos”.
Mas são. Nós somos. Mulheres. Negras.
Mokgadi Caster Semeneya é uma mulher.
Lá porque o seu corpo desafia os padrões pré-definidos como aceitáveis numa Mulher. Porque desafia os limites da força considerável máxima numa Mulher. Porque coloca em perspectiva o nosso conceito de Mulher. Isso não faz dela menos Mulher.
Mokgadi Caster Semeneya é uma mulher.
Uma mulher merecedora da sua medalha. Fruto de todo o seu esforço e treino. Do seu corpo negro maravilhosamente esculturado.
2 thoughts on “Corre Semeneya, Corre!”