Homossexualidade não é importação

Homossexualidade não é importação

A homossexualidade é Africana e não importada, como costumamos ouvir por aí.

No continente Africano é muito hostil com a homossexualidade. Nos anos mais recentes, vários foram os países, tais como o Malawi, Uganda e Nigéria que proativamente aprovaram ou reforçaram leis que proíbam a homossexualidade.

Os motivos para tal prendem-se sobretudo com valores sociais e religiosos.

Do lado social, há dois aspectos a considerar: o primeiro é que vivemos em sociedades em que se valoriza muito o matrimónio e a procriação, e uma vez que as relações homoafetivas não permitem que se viva (pelo menos não da forma tradicional) estes processos, são desvalorizadas e vistas como inválidas; e o segundo é que vivemos em sociedades em que o conceito de indivíduo praticamente não existe, pois todas as decisões, rituais, direitos e deveres são vividos em comunidade.

Nesse sentido, uma vez que a experiência da homossexualidade é muito íntima e pessoal, algo vivido de forma isolada e que não acontece no colectivo, ela passa a ser invisível e até mesmo desprezível.

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A homofobia não é africana. Fonte: Rede Angola

Mas acima de tudo isso, um dos maiores argumentos, senão o maior argumento utilizado para a oposição à garantia de direitos iguais aos casais homossexuais é o facto de se considerar a homossexualidade como algo novo, importado do Ocidente.

Outro argumento comum prende-se com as escrituras sagradas. Seja no Islão ou no Cristianismo, segundo os africanos que praticam estas duas religiões, o seu Deus não aprova relacionamentos homoafetivos. Isso é coisa do Diabo.

Mas se tanto o Islão como o Cristianismo como religiões, isto é, como formas organizadas de se praticar a fé, foram forçados no continente, então temos também de aceitar que não fazem parte da ‘cultura’ africana.

Se supostamente, a homossexualidade é um conceito estrangeiro a África. Então se assim for, também o é a homofobia.

A homofobia foi-se proliferando com o Colonialismo através da formalização do poder europeu na África.

Na Nigéria, tal como em outras ex-colónias britânicas, a lei vitoriana que invoca sodomia e homossexualidade, os homossexuais podem ser condenados a até 14 anos de prisão. Isto, quando aliado às mensagens proliferadas pelos líderes religiosos, cria um ambiente em que ataques violentos a homossexuais são aceitáveis.

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A tradição do casamento entre mulheres nas sociedades Igbo não pode ser negada. Fonte: Black Agenda Report

Contudo, é importante ressalvar que as relações homoafetivas tanto entre homens como entre mulheres já existiam nas sociedades pré-coloniais.

No livro “Boy-wives and Female husbands – Studies in African Homosexualities”, os autores descrevem extensivamente a pluralidade de ‘homossexualidades’ reconhecidas no continente.

Em Angola, naquilo que eram os Reinos de Matamba e do Congo, no séx XVII, eram reconhecidos os supostos homens que se sentiam e viviam como mulheres, ou seja travestis, chamadas de “quimbanda”. Às travestis era permitido vestirem-se e viverem como mulheres, recebendo homens em suas casas para terem relações sexuais.

Na Nigéria, mais precisamente nas sociedades Igbo, era comum relações entre mulheres. Nestas relações, embora uma mulher representasse a figura masculina, tendo de assumir o dote, as divisões de papéis não eram como aquelas que vemos nas relações heterossexuais. Estas relações regiam-se sobre um código próprio e completamente legitimo, reconhecido por toda a comunidade.

Ou seja, a homossexualidade como conhecemos hoje podia não existir. Designávamos por outros nomes e usávamos outros parâmetros, mas estava lá.

Quando os Europeus chegaram à Europa desenharam esta imagem das pessoas africanas como primitivas e sem cultura, filosofia ou conhecimento para dar ao mundo. Nessa linha de pensamento, como seres primitivos, a única razão para nos relacionarmos sexualmente era a procriação. Afinal de contas é assim com os animais.

E nós fomos nos (sub)desenvolvendo com esta imagem de nós mesmos, pensando que em África não existem humanos complexos, com emoções, vivências e ideias progressivas.

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Na África do Sul o casamento entre pessoas do mesmo sexo é previsto por lei. Fonte: BBC

Num continente tão grande e diverso como África, não é de admirar que haja também uma pluradidade de homossexualidades e heterossexualidade. Estes conceitos, bem como os de género nos acompanham há muito tempo e já sofreram alterações face aos processos históricos e ao desenvolvimento das nossas sociedades.

No entanto, não podemos continuar a viver como se não fosse nossa “cultura” abraçar a diversidade e complexidade de vivências que podem existir – e existem! – ao nosso redor.

Como sociedade temos de fazer melhor, precisamos de melhor.

Países como a África do Sul estão na vanguarda dos direitos LGBT+ em África, pois aproveitaram a época de libertação para garantir direitos fundamentais a todos os cidadãos, sem distinção no que toca a raça, credo, género, sexualidade, etc.

Então, mais do que perceber se a vivência da homossexualidade é ou não compatível com o conceito de Africanidade, talvez seja mais importante nos perguntarmos:

Por que é que somos tão resistentes à ideia de existirem africanos homossexuais?

 

Sororidade não é amor incondicional

A sororidade no feminismo quer dizer  o reconhecimento de uma experiência de feminilidade partilhada. Mas será universal?

Essa feminilidade diz respeito a um conjunto de opressões, valores e vivências comuns. A sororidade é um acordo entre as mulheres que se reconhecem como irmãs, e alcança a dimensão emocional, ética e política do feminismo contemporâneo.

Não pode haver de facto feminismo se não houver esse entendimento mútuo.

O Patriarcado é uma instituição que define essencialmente relações de poder em que o homem ocupa o topo da hierarquia. Esse poder é sentido na Ciência, na Academia, na Religião, e em lugares como Escolas, Hospitais, pois está enraizado nos hábitos das pessoas.

A perpetuação do Patriarcado é garantida através da nossa própria cultura, pois somos socializados para normalizar os papéis de género que definem esses lugares de domínio e submissão.

A armadilha do Patriarcado é colocar as mulheres a lutar entre si. E caímos nessa armadilha sempre que fazemos piadas ou comentários machistas. Sempre que expomos negativamente outras mulheres. Sempre que perpetuamos o discurso das vadias vs. virgens.

Mas ao construirmos debates construtivos e diálogos com tolerância fortalecemos a nossa rede.

O Patriarcado defende e promove a fraternidade entre os homens e obriga as mulheres a disputar e sustentar os interesses do desejo masculino, já que são socializadas entre si como inimigas.

É precisamente por isso que o Feminismo existe, para contestar essas definições. O feminismo precisa dessa união entre as mulheres para poder criar uma nova realidade.

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Eu como mulher me solidarizo e simpatizo com todas as mulheres. É este o exercício que sororidade nos exige: empatia; compreensão; fortalecimento.

O reconhecimento dessa feminilidade partilhada, dessa emancipação enquanto grupo é o que transforma o sofrimento em aceitação. A consciência dessa posição traz não só protecção, mas também força e gratidão.

Num mundo em que o masculino sempre é exaltado e a nossa aceitação como mulheres está intrinsicamente ligada ao poder que os homens nos permitem ter, é muito forte sentir que não estamos sozinhas.

Não existe nada melhor que sentir essa amizade vindo de uma outra mulher. Sentir essa entrega e essa energia. Sentir esse refúgio dentro de um mundo que sempre traz as nossas inseguranças à tona.

 

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A banalização da sororidade. Fonte: Não me Kahlo

 

Mas sororidade também pode ser uma maldição. Sororidade tóxica, forçada em nada nos fortalece.

A sororidade pretende a união para combater o patriarcado, isto é, a supremacia do poder masculino. No entanto vivemos num mundo em que reina não só o sexismo, mas também o racismo, a homofobia, classismo; etc. Todas estas opressões estão interligadas.

É preciso olhar para a sororidade sobre a lente da interseccionalidade também.  Porque as mulheres não sofrem apenas por serem mulheres, sofrem também por serem negras – as que são negras, por serem lésbicas – as que são lésbicas, por serem pobres – as que são pobres e por aí vai.

Então como podemos pedir a uma mulher pobre que trabalha como escrava doméstica que esta reconheça uma mulher rica sua patroa como irmã? Como pode haver sororidade num contexto de opressão?

Há que reconhecer os abusos que existem entre as mulheres tendo em conta as redes de opressão em que cada uma de nós está presa.  A sororidade exige também que façamos essa delimitação para que possamos validar as experiências de todas as nossas irmãs.

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A palavra sororidade vem do latim sororis (irmã) e idad (qualidade). Fonte: O Machismo Nosso de Cada Dia

Devemos nos unir para formar uma muralha contra o nosso opressor comum, mas também lutar contra as opressões que cada uma de nós perpetua no seu espaço.

É fundamental que haja essa busca sistemática por um campo de solidariedade entre todas, o que passa inevitavelmente pelo reconhecimento da outra mulher como minha semelhante. E esse reconhecimento facilitará a auto-afirmação da nossa própria força e determinação.

Considerar a sororidade como um factor constante, amor incondicional, valor supremo enfraquece as nossas lutas, pois dilui todos os sofrimentos específicos de cada uma de nós.