Tudo começou quando eu tinha mais ou menos 13 anos.
Aos 13 anos eu já usava soutien. O meu corpo estava algures entre uma menina e uma mulher. Umas partes mais menina e outras mais mulher. Enfim, um corpo de quem estava a passar pela Puberdade. Esse corpo incluía pernas relativamente grossas, seios, acne e… pêlos!
Eu ainda me lembrou do dia.
Eu estava a fazer xixi e a minha mãe olhou para mim e imediatamente me informou que tinha chegado a hora de começar a fazer depilação. Ao que parece, a minha zona púbica tinha alcançado um estado socialmente constrangedor, pelo menos para ela.
Eliana, conheça gillette. Gillette, Eliana. Muito prazer.
Apresentações feitas, passámos ao que interessa: tirar os pêlos do meu corpo.
Nos meses seguintes fui descobrindo a arte de me depilar. Os tempos de intervalo; os pêlos encravados; as manchas na pele; os cortes; as partes mais e outras menos sensíveis à lâmina; etc.
Mais tarde descobri os cremes depilatórios; as bandas e finalmente, a temida cera.

Seja com lâmina de barbear; cremes; cera ou laser, uma coisa é certa: depilação feminina é compulsória. Pernas, virilha, axilas e púbis devem ser zonas sem pêlos.A ideia de beleza no corpo feminino tal como ele é simplesmente não existe na nossa sociedade.
As axilas de uma mulher adulta têm pêlos. As pernas de uma mulher adulta têm pêlos. A virilha de uma mulher adulta tem pêlos.
Então por que somos obrigadas a fazer a depilação nessas partes do corpo?
Eu sempre cresci a ouvir explicações ligadas à higiene e cheiro dessas zonas e fui assimilando essas ideias para mim também.
Às minhas amigas ia dando recomendações; íamos trocando ideias e conselhos; encorajando essa guerra quase diária contra os terríveis pêlos.
Mas está mais do que provado que os pêlos têm uma função importante para a nossa saúde.
Os pêlos servem de protecção natural de certas zonas do nosso corpo e são uma resposta fisiológica da nossa espécie face a determinadas bactérias que seja por humidade ou devido ao calor, reproduzem-se mais facilmente nessas partes do corpo. Servem também para diminuir a fricção resultante do contacto de pele com pele (por exemplo ao andar).
Pensarmos que tirar os pêlos torna-nos seres mais limpos ou higiénicos é portanto, no mínimo ingénuo. E esse mesmo padrão de “higiene e cheiro” nunca se aplica aos homens. Por que será?
Apenas às mulheres é cobrado um corpo sem pêlos. E nós cobramos isso de nós mesmas!

Por outro lado, há também a questão estética. Vivemos num mundo em que somos bombardeadas diariamente com imagens que correspondem a um padrão de beleza e queremos também segui-lo.
Nos anos recentes, com a internet e a propagação da pornografia houve uma influência daquilo que se vê nos filmes em como as mulheres se vêem na vida real.
Quantas vezes não recorri à minha amiga Gillette ao saber que tinha um encontro romântico nesse dia?
Nas revistas e TV também é raro vermos mulheres com pêlos. A imagem de uma mulher adulta ao natural raramente nos é apresentada.
E está tão enraizado na nossa cultura patriarcal machista que a mulher acredita que de facto o seu corpo é mais bonito assim, que os seus pêlos são nojentos. Por detrás dessa preferência existe uma construção social que começa bem cedo, quando todas as roupinhas são cor-de-rosa, cheias de flores e lacinhos.
Aprendemos a odiar os nossos pêlos; os nossos cheiros; as nossas celulites; nossa menstruação; nosso cabelo natural; etc. E a luta para romper com esses padrões, para amar o nosso corpo tal como ele é, é constante.
O nosso corpo é desde cedo mutilado, manipulado, transformado para ser tudo menos “natural”: desde o furo na orelha quando ainda somos bebês; ao desenho da sobrancelha; passando pelo cabelo liso; o corpo escultural; a pele perfeita; as perna sem pêlos; etc.
E se a partir de hoje nos amássemos tal como somos, quantas indústrias não iriam à falência?