(ou o medo catastrófico)
Há sentimentos que se instalam em nós calmamente e se acomodam. Como sementes, esses sentimentos são pequenos e quietos – os medos. Enterrados na escuridão da nossa mente, esses medos germinam de forma discreta e aos poucos criam raízes.
Os medos tornam-se assim parte de nós mesmos. Onde eles começam e nós acabamos não é claro. O medo sou eu e eu sou o medo.
E de tanto (con)viver com o medo, já não o sinto. Já não me intimido.
Por isso quando ouvimos falar do Ciclone Idaí não nos mexemos. O medo em nós apenas sorriu apático. Okay. Só mais uma desgraça. Mais uma catástrofe.
Não é a primeira vez. Já estamos habituados. Aqui na margem do mundo o que não nos faltam são catástrofes, umas mais e outras menos naturais, mas catástrofes mesmo assim. E a pior parte é que as nossas catástrofes não se fazem sozinhas.
As nossas crises também têm crises. Não basta o desastre natural, com ele se revelam todos os outros desastres: a apatia, o pessimismo, a corrupção, a ganância, o narcisismo, e claro, a falta de infraestruturas, a despreparação generalizada das comunidades afectadas, órgãos de informação e comunicação deficientes, etc.
Se não aderimos às campanhas de angariação de donativos, não é por desconhecimento ou incapacidade, mas sim por desconfiança total nos responsáveis pela gestão desses donativos.
Os desastres tornaram-se em oportunidades de enriquecimento para muitos, por isso custa-nos muito aceitar que a ajuda humanitária vai chegar a quem precisa ou que vai criar soluções efectivas.
É o medo novamente. Essa planta que vai trepando tudo o que pensamos e fazemos. E nos leva a acreditar que não vale a pena fazer nada, porque não vai dar certo. Não vamos salvar nada. O nosso contributo será insignificante.
Ao mesmo tempo, quem tem capacidade para criar outros mecanismos de apoio está demasiado confortável na segurança da sua localização geográfica e/ou do seu emprego, para ser um agente de mudança.
Ou seja, aquele medo enraizado continua lá, certo da sua imponência e imortalidade. Dessa planta, uma árvore se ergue, e com elas as suas ramificações: nos acomodamos, nos recolhemos, aceitamos as catástrofes, não nos abalamos com mais nada.
As incertezas nos imobilizam. Congelam. Paralizam.
Temos medo. Medo de falhar e medo de conseguir.
A pior catástrofe é o medo.